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Opinião 96

Entre quatro paredes

Texto: Mayara Gabrielle (brechodeixoudeser@gmail.com) | Feyth Jaques (feythjaques@hotmail.com)
Ilustração: Gabriel Brito


O período de quarentena tem feito o número de acessos aos sites pornográficos aumentar pelo mundo todo. De acordo com as informações do Pornhub, um dos mais procurados, o tráfego de conteúdo “continua a ser muito maior do que antes da pandemia do Coronavírus se espalhar pelo mundo. O pico de aumento de 24,4% aconteceu em 25 de março de 2020, depois de oferecermos o Pornhub Premium gratuito para encorajar as pessoas a falar em ambientes fechados e se distanciar socialmente”. Numa primeira olhada, poderíamos admitir que o aumento no consumo somente se deve ao fato comportamental de que as pessoas estão com mais tempo livre. Só que a realidade é bem mais complexa do que isso.

Na verdade, ao final das contas, é gigantesco o consumo de produtos da indústria pornográfica. Por mais incrível que pareça até as crianças são afetadas desde cedo, seja nos padrões de beleza, nos clipes e nas músicas sexualizadas, nas novelas em horário nobre, nos livros, nas histórias ou na hipersexualização da mulher nos comerciais de cerveja ou nas heroínas dos quadrinhos. Basta poucos minutos nas redes sociais para encontrar exemplos dessa materialização da sexualidade. De pessoas querendo mostrar uma boa imagem àquelas que buscam ser sexy – ou seja, sexualmente desejáveis. Só que não admitimos isso, e preferimos continuar tratando o assunto como um tabu.

Nos últimos cinco anos foram criadas diversas formas de veicular conteúdo sensual e pornografia light na web, o surgimento de perfis sensuais com conteúdos sexy e pornografia criados por mulheres. Há, por exemplo, a venda de nudes, que são fotos com nudez, feitas de forma facilitada pela internet. Alguns recursos do Instagram inclusive tem sido utilizados pelo mercado pornográfico para fornecer conteúdo exclusivo e restrito apenas àqueles que pagam pelo acesso. É o exemplo de vários perfis chamados Close friend. Outro modelo de site que tem sido utilizado para este fim é o Onlyfans, que hospeda conteúdos por assinatura incluindo por exemplo, o sensual e pornográfico. De acordo com uma reportagem recente da Bloomberg, neste período de pandemia houve um crescimento de usuários/dia que passou de 200 mil a 500 mil. A cultura pornográfica promete muita diversão com pouco esforço, em função do acesso facilitado, da grande ofertas e da variedade de opções para consumo disponíveis no mercado. Inclusive de graça.

Os motivos do aumento do consumo desses conteúdos na pandemia são diversos. Para embasar nossas percepções buscamos ouvir alguns consumidores de pornografia. Um homem de 38 anos indicou que a solidão do isolamento social pode ser uma das possíveis causas, já que para ele a impossibilidade de sair e interagir com outras pessoas provoca a carência. Ele também sugere que faz parte desse cenário o aumento do tempo das pessoas em ambientes virtuais, onde há uma circulação mais liberal do erotismo, o que influenciaria o desejo por consumir mais materiais pornográficos. Um homem de 39 anos contou que a sexualização de praticamente tudo que se vê incomoda ao ponto de ele precisar se afastar das redes sociais de tempos em tempos.

Outra possível motivação foi citada por um homem de 34 anos que, ao explicar que não aumentou seu investimento de tempo em conteúdo adulto durante a pandemia, disse que em sua opinião esse crescimento ocorreu pelo excesso de ociosidade. No caso dele, que trabalha em um dos serviços essenciais, não houve mudanças na rotina.

Mas o consumo desses conteúdos também tem feito algumas pessoas refletirem sobre sua produção, e levado a um crescimento daquilo que vem sendo chamado de ‘pornografia ética’. Um conteúdo consensual para ambos os sexos, com livre demonstração de prazer, ao invés de performances meticulosamente dramatizadas, forçadas ou ensaiadas. O que inclui, por exemplo, mulheres não sendo degradadas e insultadas, mas sendo pagas de forma justa e respeitosa pelo seu trabalho. Uma mulher de 36 anos diz que pensa na pornografia ética como uma alternativa de mercadoria que “Fuja aos padrões impostos pela sociedade que temos agora”.

Talvez um caminho mais saudável passe por procurar conteúdo adulto produzido com responsabilidade e ética, que não tome as mulheres como objeto, mas as veja como sujeitos que também necessitam de prazer e participam do ato. Isto não vai acabar com todos os problemas, mas certamente pode tornar esse crescimento da indústria da pornografia mais favorável às atrizes, às mulheres e até mesmo aos homens.