Autores e projetos resgatam figuras apagadas pela história
Texto e curadoria de imagens: Daniel Rockenbach (drocken@gmail.com)
Em tempos de movimentos como #BlackLivesMatter é preciso destacar o trabalho de autores e utoras negros. Mais do que uma ‘hashtag’ o movimento vai além do protesto pelo caso de racismo da semana: é um lembrete constante da necessidade de conscientização das questões raciais que tanto afligem o Brasil e o mundo. A violência ultrapassa a agressão física: passa pelo apagamento histórico e a invisibilidade de muitos.
Marcelo D’Salete se destacou em 2018 ao vencer o Eisner, a maior premiação norte-americana dos quadrinhos, com “Cumbe”. E ele ainda surpreendeu no ano seguinte levando o Jabuti, maior premiação literária brasileira, na categoria quadrinhos por “Angola Janga”. Suas obras históricas, ainda que em parte ficcionais, retratam a dura vida do negro escravizado, sua cultura e costumes.

Em 2020 o jovem Ale Santos, mais conhecido nas redes sociais como @savagefiction, ficou entre os finalistas da categoria Ciências Humanas do 62º Prêmio Jabuti com “Rastros de Resistência”. Um livro que começou com threads no Twitter, ganhou apoio da rede e mostra o impacto que uma tag pode criar. A obra traz histórias de personagens históricos que resistiram e lutaram pelo povo negro.

Idealizado pela jovem Isadora Ribeiro, 21, a partir de um projeto da faculdade, o Coletivo Narrativas Negras reuniu 60 escritoras e ilustradoras para contar a história de 41 mulheres negras no livro “Narrativas negras – Biografias ilustradas de mulheres pretas brasileiras”. O coletivo nasceu de um chamado na internet que mobilizou outra jovem, Júlia Rodrigues, 18, que ajudou Isadora a dar forma e consistência ao Projeto, até ele sair do papel e ganhar os leitores.
Histórias de escravos, de abolicionistas, de amazonas e até de piratas. Perfis de mulheres como Maria Firmina dos Reis, a primeira a escrever um romance no Brasil – uma mulher preta. Ou como Tereza de Benguela que criou um quilombo que reuniu índios e negros no século XVIII. Histórias fortes, rastros de resistência e luta, mulheres poderosas e belas ficções históricas.

Marcelo D’Salete traz nas páginas de seus quadrinhos palavras do idioma banto, ideogramas de origem Asante, símbolos como o Sona, originário dos povos Tchokwe. Destaca palavras como calunga, cuca, ganga, massango, ngoma, zagaia – tanto “Cumbe” como “Angola Janga” trazem um glossário no final. Ainda que ficcionalizada, “Angola Janga” interpreta eventos com cartas e registros históricos que D’Salete levantou em sua vasta pesquisa.
O afrofuturismo é a vertente da ficção científica que levou Ale Santos a estudar a história dos povos negros. Enquanto pesquisava, trazia às redes sociais suas descobertas, jogando luz sobre figuras até então desconhecidas como Benkos Biohó e o quilombo imbatível na Colômbia. Histórias de mulheres como Zacimba, a princesa guerreira que invadia navios negreiros. Ale deu visibilidade à figuras apagadas, negligenciadas e que construíram a identidade combativa do povo negro.
Mas invisibilidade ainda maior sofre a mulher negra. A primeira advogada piauiense, Esperança Garcia, escreveu em 1777 uma carta ao governador da província denunciando os maus-tratos que sofria. E Tia Ciata, a quituteira articuladora da cultura do samba no Rio de Janeiro e que começou o carnaval carioca? Quantas são as vozes de mulheres pretas silenciadas pela história, sempre escrita pelos vencedores? O Coletivo Narrativas Negras conta com mulheres para trazer de volta à nossa memória essas personagens invisibilizadas.
E nesse trabalho a literatura é essencial: autoras e autores negros contando suas histórias, valorizando a força de uma cultura e ensinando a todos a importância de um povo que foi escravizado, silenciado e apagado. Só assim é possível conceber uma sociedade onde negros como George Floyd e João Alberto Silveira Freitas não sejam vítimas de violência pelo único motivo de serem negros, e que Marielle Franco esteja sempre presente.