Texto: João Vitor Marques
Ilustração: Ana Beatriz Leal
O significado de prisão é justamente aquilo que limita ou que acaba com a liberdade. Atrás das grades, os presos não possuem espaço próprio e nem controle sobre a maior parte das decisões referentes ao seu destino. A tensão que domina o lugar faz com que os detentos tenham que alterar a própria personalidade para sobreviver. Uma vida solitária, afastada de familiares e amigos, onde o afeto e a confiança não predominam nas relações e raramente são encontrados.
O risco de contrair uma doença ou de ser assassinado são companheiros constantes do cárcere. Segundo pesquisa divulgada em 20,23 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a chance de os presidiários contraírem tuberculose, por exemplo, é 30 vezes maior que a do restante da população.

Aqueles que conseguem vencer as penas impostas, normalmente almejam a tão sonhada liberdade e nada mais. Não guardam qualquer perspectiva de futuro. Mas, como viver a liberdade plena após anos em um ambiente hostil, de medo e que te priva das escolhas mais básicas da vida? É o dilema que enfrenta Lucilene, a personagem da reportagem deste Projétil “Prisão sem grades”, cujo estigma de ex-detenta dificulta a sua ressocialização.
Ao se verem livres, mas distanciados da família e renegados pela sociedade, a vida dos ex-presidiários costuma ser trágica. A maioria nunca pensou no que fazer após o cárcere e não tem qualquer apoio. A mesma pesquisa do CNJ revela que entre aqueles que retornam ao convívio social, o tempo médio de vida é de apenas 548 dias, com 28% das mortes provocadas por eventos violentos. Repito, 548 dias.
Se o objetivo do Sistema Prisional Brasileiro é a ressocialização dos apenados, para que voltem ao convívio da sociedade e tenham uma vida digna, sem reincidir no crime, alguém precisa avisá-lo, não está funcionando. Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) revelam que o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China, com 649.592 pessoas encarceradas, embora relegadas a uma estrutura precária.
A realidade penitenciária no país não condiz com o que está previsto em lei. Ainda de acordo com o Senappen, o déficit de vagas no sistema carcerário chega a 171 mil. O resultado são celas superlotadas, ambientes insalubres e uma situação de extrema vulnerabilidade. Frutos do descaso estatal com essa parcela marginalizada da população.
O Estado parece não ver os detentos como humanos e eles mesmo vão perdendo sua humanidade. Perda que leva à revolta, à violência e à descrença de um futuro com a mínima dignidade. E aqui o que está em pauta não é “defender bandido”, como muitos, desinformados, insistem em dizer. Trata-se de defender os direitos humanos, algo que todos fazem jus.
Um dos únicos instrumentos institucionais existentes, o benefício da saída temporária dos detentos, ‘a saidinha’, como a própria reportagem mostra, está ameaçado. E apenas uma pequena porcentagem de presos tem acesso aos projetos de ressocialização dentro das unidades. Em todo o Brasil, 24% dos presos trabalham, mais uma falha estatal. Esses aprendem novas funções e podem vislumbrar no trabalho uma possibilidade para o futuro. Mas, os projetos se encerram após o cumprimento da pena e é preciso se aventurar no mundo fora das grades.
E aí entra a nossa parte. Quando eu digo nossa, é com você leitor mesmo. Eu, você e até quem não está lendo esse texto tem papel nessa história. Como sociedade, temos dificuldade em compreender a ideia de ressocialização. Impera a mentalidade punitivista, de que ninguém pode se arrepender e mudar. Os medos e anseios de Lucilene de como será o seu futuro e da falta de novas oportunidades são os mesmos de outros milhares de presos e tem lugar de existir.
Se o mercado de trabalho não dá oportunidades a quem tem “passagem pela polícia”. Se nos grupos de amigos e nos locais de lazer ex-detentos carregam o estigma da prisão e não são aceitos ou vistos com desconfiança. Se muitas políticas públicas não abrangem essa população. Se até nos estádios de futebol o reconhecimento facial constata quem tem antecedentes criminais. A resposta é não. Não é possível exercer a plena liberdade após o cárcere. Afinal, como ser livre sabendo que você só terá mais 548 dias de vida?