Texto: Daniel Rockenbach (drocken@gmail.com) | Waldir Rosa (waldir.rosa@uol.com.br)
Arte: MARINA COZTA
Em um país de contrastes sociais e com tantos iletrados, se vende muito pouco livro. Em levantamento feito pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, entre 2015 e 2019 a porcentagem de leitores no país caiu de 56% para 52%. Entre os mais ricos, a porcentagem caiu de 76% para 67%. A média de leitura do brasileiro é de cinco livros por ano.

Uma navegada no site da Amazon e logo se nota uma série de ofertas de 1984 de George Orwell. Uma busca pelo livro nesse espaço virtual revela pelo menos uma dezena de edições diferentes, grande parte devido ao fato de que, em 2021, a obra do autor entrou em domínio público. A Amazon vende Orwell para todos os bolsos e públicos mas seria assim se os livros tivessem livrarias como única forma de comercialização?
Um papo com o autor, editor e livreiro Thiago Tizzot logo dá a real: é barato. Quando se corta a despesa de qualquer etapa da produção do livro, o preço final se altera independente de onde se vá vender o produto. No caso do direito do autor, os dez por cento fazem toda a diferença no custo. É mais vantajoso republicar um clássico que arriscar algo novo e o sistema da Amazon encoraja esse tipo de visão. Ao menos é o que afirma o editor Sandro Gomes, mais conhecido no meio literário como Lobo.
O que importa é ter um preço competitivo para negociar com a Amazon ou qualquer outra loja virtual disposta a comprar grandes estoques e vender barato. O que interessa são os números e as livrarias físicas não dão conta de competir com os descontos oferecidos pela concorrência virtual. Na conversa com os editores Lobo e Tizzot ficou claro que a Amazon tem uma vantagem sobre outras lojas online brasileiras: eles cumprem os acertos. O que se combina com a multinacional, se recebe sem falta. Existe o risco de um dia a Amazon dominar o mercado e ditar as regras? Existe. Mas não seria esse o mesmo risco que as demais lojas virtuais também ofereciam?
Antes da Amazon, a dependência era das lojas virtuais brasileiras. E o que elas têm em comum? Dívidas com as editoras. O saldo devedor teve de ser negociado em um prazo de até 20 anos, com um desconto de 40% em certas situações. Houve casos em que a dívida chegou a comprometer a saúde financeira da editora, a ponto de algumas encerrarem as atividades. Até hoje algumas destas editoras ainda não se recuperaram do tombo. Então como não sentir segurança numa Amazon? São poucas as alternativas.
Tizzot tenta administrar sua livraria/editora/café em Curitiba pensando no ambiente do livro, nos leitores. Quem entra ali pode provar um café personalizado como o Chinaski baseado no personagem de Bukowski e ainda sair com boas dicas. Como livreiro que se preze, recebe os curiosos sempre com uma boa indicação. Para ele, o algoritmo da Amazon ainda é incapaz de relacionar dicas como um Senhor das Moscas ou Laranja Mecânica para um leitor do mangá Akira. As indicações se restringem ao que outros usuários compraram ou livros do mesmo autor/editora.
O que pesa é a diferença no preço de capa: Tizzot não pode cobrar menos que o preço estipulado pela editora uma vez que compra estoques pequenos. Como competir com uma gigante estrangeira que compra aos milhares e com descontos generosos? A Amazon em muitos casos assume o prejuízo. Tizzot conta que já teve um livro de sua editora vendido pela Amazon por a 30% menos! O que sustenta uma operação como essa? A ambição de dominar o mercado.

Talvez a multinacional não seja a vilã da história como muitos gostam de colocar, mas a Amazon tem que ser entendida o quanto antes. Em conversa com assessores e editores que pediram para não serem identificados, descobrimos que a Amazon não tem um representante com o qual pudéssemos conversar. Nenhum dos editores tem lidado diretamente com pessoas, e sim com um sistema informatizado. O algoritmo está substituindo até mesmo os intermediários e tomando para si o papel de Grande Irmão em uma situação para lá de orwelliana.