Texto: Gabriel Neri (gabriel.neri@ufms.br) | Leandra Mergener (lemerg1211@gmail.com
Ilustrações: Bianca Esquivel e SYUNOI (Sara Welter)
Hoje, tem se tornado bastante comum ver dispositivos móveis como smartphones e tablets sendo usados por pessoas de todas as idades. Isso vale desde os mais idosos até os mais jovens. O Brasil, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2020, tem mais de um ‘telefone inteligente’ – ou smartphone – por pessoa, totalizando 234 milhões de aparelhos para 213 milhões de habitantes. Desse modo, os dispositivos estão ao alcance de quase toda a população e as crianças não são excluídas. Na ‘correria’ do dia a dia ou na hora de um passeio, é complicado prender a atenção delas por falta de tempo, cansaço após os afazeres ou criatividade dos responsáveis.

No entanto, os aparelhos eletrônicos não são uma novidade para aqueles que nasceram depois dos anos 1990, a chamada ‘geração Z’. Antes de existirem celulares com aplicativos e jogos, haviam outros dispositivos para ‘distrair’ as crianças. No século XX, as televisões criaram uma programação infantil. Anos depois surgiram os primeiros videogames, como o Super Nintendo, PlayStation, Mega Drive e outros, além dos computadores pessoais com sua diversidade de aplicativos. Todos passaram a ser usados pelos adultos para ocupar o tempo e distrair os mais jovens.
Mas a infância antes dessas tecnologias era marcada mais por brincadeiras motoras, que estimulavam a movimentação. Elas envolviam bolas, carrinhos, bonecas, montagem de peças, entre outras atividades.
Quando as diversões eletrônicas surgem o controle do que a criança consumia estava condicionado aos pais, especialmente com a televisão. Mas conforme a tecnologia evoluiu, passamos a ter menos aparelhos ‘coletivos’ e mais dispositivos pessoais. Além disso, as mudanças econômicas promovidas pelo capitalismo obrigaram os responsáveis a saírem de casa para trabalhar e sustentar a casa. Assim, a tecnologia passa a ter um papel primordial no dia a dia, preenchendo uma lacuna da presença dos pais na vida cotidiana dos mais novos. E mesmo quando reconhecemos a importância de saber usar os novos dispositivos tecnológicos de modo a não ‘parar no tempo’, é preciso pensar e definir limites do uso que não deveriam ser extrapolados.
Atualmente, pela mudança de hábitos, algumas brincadeiras são preteridas em detrimento das telas. Isso é ilustrado em números da AVG Technologies através da pesquisa Digital Series realizada com famílias de todo o mundo em 2016. Ela cita que 76% das crianças de 3 a 5 anos que foram pesquisadas já sabem ligar um computador e/ou um tablet, 73% jogam online, 42% sabem abrir um navegador e 42% sabem usar um smartphone, mas apenas 31% sabem o endereço de casa. Na faixa etária dos 6 aos 9 anos elas se mostram ainda mais integradas ao mundo digital: uma em cada três participa do mundo digital, 15% se comunicam através de algum sistema de mensagens instantâneas e 21% usam o e-mail.
Os efeitos negativos desse exagero precoce podem ser vistos desde cedo com a perda de algumas habilidades cognitivas, isto é, de habilidades de aprender e compreender algo, conforme matéria publicada no portal Drauzio Varella por Mariana Varela, editora-chefe. O uso exagerado pode ser conceituado levando em conta o tempo de interação com os dispositivos. Por exemplo, se a criança fica acordada 15 horas por dia, estuda por quatro, faz suas tarefas por duas, toma banho e faz suas refeições em três e no restante do tempo fica somente ‘mexendo os dedinhos’, o alerta deve ser ligado. Estudo publicado na revista de saúde pediátrica The Lancet Child & Adolescent Health indica que crianças devem ficar no máximo duas horas em frente a uma tela.
Ao analisar a relação entre crianças e tecnologias, o psicólogo norte-americano Jim Taylor, estudioso da tecnologia no desenvolvimento infantil, aponta que a geração atual está menos altruísta, menos preocupada com o outro. “A tecnologia parece minar o desenvolvimento das crianças nesses relacionamentos fundamentais nesta fase de vida”, relata Taylor em entrevista ao site Desenvolvimento do Bebê. Além disso, ele cita que tem havido aumento no individualismo e declínio na empatia entre os jovens porque as crianças ficam mais tempo conectadas aos eletrônicos, ‘esquecendo’ das outras pessoas e do mundo ao redor, ou seja, sendo individualistas por causa da tecnologia.
Outro ponto a ser analisado na interação exagerada com aparelhos eletrônicos são os problemas de saúde que podem decorrer desse uso contínuo e/ou exagerado, como obesidade, sedentarismo, insônia, agressividade, hiperatividade e problemas de atenção segundo a agência do governo britânico Public Health England (PHE). Outros distúrbios, também segundo a PHE, são a depressão, ansiedade e baixa autoestima. Além de doenças que estão surgindo com esse cenário da tecnologia atual, como a que vem sendo chamada de ‘medo de perder’, um tipo de ansiedade social que faz as crianças não se desligarem dos aparelhos, e a ‘demência digital’, que provoca razoável perda nas habilidades cognitivas e da memória.

Portanto, o problema não é a utilização de um dispositivo, mas o exagero. Em um contexto atual de pandemia, onde se passa muito mais tempo em casa, a interação com amigos e família, jogos online, filmes e redes sociais são importantes. No entanto, a Covid-19 só agravou, não sendo o começo e nem o final de nossa relação com esses aparelhos, posto que a vida online tornou-se cultural para jovens, adultos ou idosos. Só que perder o limite da exposição a longo prazo traz prejuízos, especialmente para quem ainda nem conheceu a vida adulta. Os responsáveis por essas crianças devem ter isso em mente ao ver o filho compenetrado somente em ‘mexer os dedinhos’ num aparelho.