Docentes e técnicos administrativos de mais de 50 universidades e institutos brasileiros federais reivindicam perdas salariais históricas. Reportagem busca elucidar ações econômicas, governamentais e sindicais, que pautaram o movimento grevista de 2024
Texto: Beatriz Barreto
Fotos: Isadora Colete
Ilustração: João Antônio
As universidades e institutos federais (IFES), entre eles a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), são representados por sindicatos locais, em Mato Grosso do Sul (MS), a Associação dos Docentes da UFMS (Adufms), o Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul (Sista-MS) e o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) pelo Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica, seção de Mato Grosso do Sul (Sinasefe-MS). Atender as exigências formuladas pelos sindicatos nacionais, é competência do Governo Federal, especificamente do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), que tem como ministra, em 2024, Esther Dweck.
As resoluções orçamentárias nacionais, no contexto da greve, são decididas de forma consensual entre as bancadas sindicais e governamentais, por meio da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), e posteriormente são utilizadas para sinalizar as diretrizes das propostas oficiais. A MNNP possui dois principais segmentos de atividades funcionais: a Mesa Central, que debate implicações financeiras, e a Mesa Setorial, que discute pautas não orçamentárias e prevê também executar, quando preciso, a Mesa Específica Temporária, também orçamentária. Em 2024, o funcionalismo educativo público federal reivindica em conjunto reajustes, reposições salariais e reestruturação de carreiras; já a greve docente solicita ainda, a recomposição no orçamento das universidades.

Os três R’s
Para entender melhor cada demanda econômica – reajuste, recomposição e reestruturação – existem distinções que vão além do vocabulário. Por exemplo, o reajuste é estabelecido por mudanças nas legislações trabalhistas ou acordos coletivos entre empregadores e empregados, que tem como parâmetro periódico a data-base, data considerada para revisões e correções monetárias definidas em convenções da categoria; o reajuste garante a conformidade salarial equivalente ao período inflacionário anual. Com ele, o valor do salário estaria em conformidade com a capacidade de compra daquele momento e além disso, o recebedor obteria uma quantia acima da inflação, que é conhecida como ‘ganho real’. A recomposição ou reposição, é a revisão da porcentagem ou percentual da defasagem salarial, isto é, a correção das somas constatadas nas perdas inflacionárias, que com o tempo diminuem o valor de compra de bens e serviços, ocorridas quando os salários não conseguem acompanhar o aumento do custo de vida (inflação). Nesse caso, a recomposição serve para restaurar o poder aquisitivo, sem ganho real. Por fim, a reestruturação de carreira é o planejamento e a tentativa de equilibrar os salários das diferentes classes – ou níveis – existentes dentro de uma mesma categoria trabalhista. As carreiras são definidas pelo website oficial do Governo Federal como o agrupamento escalonado de classes hierarquizadas dentro de um cargo efetivo, com progressão concedida de acordo com o tempo de serviço ou mérito profissional.

Membra da coordenação jurídica do Sista-MS e assistente social aposentada, Nena de Souza informa que na carreira de servidores administrativos federais existe a possibilidade do servidor se qualificar e passar a receber no salário percentuais pré-definidos condizentes a qualificação; e ainda levar esse ganho para a aposentadoria. “Os servidores só não mudam de cargo, pois só conseguem mudar por meio de concurso público”. Isso acontece devido às progressões trabalhistas, por meio de dois tipos de aumento salarial: vertical e horizontal. As progressões verticais dependem do tempo de dedicação fornecido pelo funcionário, já as horizontais, da mudança de nível hierárquico em razão de deslocamento de classe (por qualificação nível 1-4) ou de cargo (por concurso público classe A-E).

No primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, em 2023, os reitores, por meio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), evidenciaram o pedido de recomposição das defasagens acumuladas desde 2014 no orçamento das universidades. O orçamento de cerca de R$6 bilhões é referente ao custeio discricionário, ou seja, não obrigatório do pagamento de assistência estudantil, luz, água, segurança, limpeza e investimentos, como obras e compra de equipamentos. Ainda no mesmo ano, com a aprovação do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 02/2023, que permitiu a alteração na Lei Orçamentária Anual (LOA), os salários dos servidores públicos federais foram reajustados com o aumento linear de 9%, uma concessão igualitária para todos os trabalhadores da categoria, depois de quase sete anos sem nem uma recomposição. Além disso, o auxílio-alimentação passou de R$458,00 para R$658,00. O impacto total econômico, equivalente a R$11,6 bilhões, contemplou todo o funcionalismo educativo público federal. Apesar do significativo progresso, as entidades representativas sindicais mostraram insatisfação com a longa espera, desde 2016, para a devolutiva. O vice-presidente da Adufms e professor do curso de Economia da UFMS, no Campus de Nova Andradina (CPNA), Gabriel Galhanone, explica que os docentes já acumulavam, sozinhos, perdas superiores a 30% e que, no LOA de 2024, o governo havia reservado apenas 1% para reajustes salariais dos docentes.
Em discordância, os participantes do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) enviaram para o MGI a solicitação de recomposição remuneratória dividida em dois blocos de reivindicações. No primeiro, a solicitação foi da divisão em três parcelas iguais de 10,34% para 2024, 2025 e 2026, total de 34,32% aos servidores técnicos administrativos que firmaram acordos por dois anos (2016 e 2017). No segundo, a solicitação foi de três parcelas iguais de 7,06% para 2024, 2025 e 2026, totalizando 22,71% aos servidores docentes que firmaram acordos por quatro anos (2016, 2017, 2018 e 2019).
Em dezembro de 2023, ambos sindicatos se frustraram quando a União apresentou uma contraproposta e informou que não concederia os reajustes solicitados. As reestruturações de carreiras e o reajustes salariais ficariam em 9% distribuídos em duas parcelas iguais para 2025 e 2026, no acúmulo equivalente a 19,03%. O que representaria 0% em 2024 e duas parcelas idênticas de 4,5% em 2025 e 2026. Descontentes, as categorias reivindicam algum porcentual já em 2024, pois a medida também contemplaria os servidores aposentados. Por isso, deflagraram greve conjunta; e 72 horas depois a greve foi formalizada em território nacional. Iniciada pelos técnicos administrativos em 14 de março, foi seguida pelos docentes em 15 de abril e, na UFMS, em 03 de maio.

O ex-presidente da Adufms e professor do curso de Ciências da Computação da UFMS, Marco Aurélio Stefanes, acentua que os reajustes propostos aos benefícios não contemplam os aposentados, docentes ou técnicos administrativos. “Já os reajustes quando inseridos nos salários oferecem direitos aos aposentados, pela paridade e integralidade”. A integralidade assegura que o valor destinado na aposentadoria seja o mesmo do último salário de quando o servidor estava em atividade e, a paridade assegura que os reajustes sejam aplicados igualmente a todos.
Preocupado, o governo decidiu que a partir do quinto mês de 2024, elevaria em 51,06% os reajustes no auxílio-alimentação, de R$658,00 para R$1 mil; no plano de saúde, de R$144,00 para R$215,00, e no auxílio-creche, de R$321,00 para R$484,90. Já a oferta de reestruturação do Plano de Carreira dos Técnicos Administrativos em Educação (PCCTAE) envolveu a equiparação remuneratória e a verticalização da progressão simplificada, o que permitiu o alcance de todas as categorias ao topo da profissão em 19 anos; contou com incentivos para as qualificações e redução do interstício – tempo mínimo da permanência de um funcionário no cargo antes de receber sua promoção – de 18 para 12 meses. Quanto aos docentes, a proposta de reestruturação ofertou elevação – de 4% a 4,5% – aos marcos temporais, mais conhecidos como “steps”, com progressões distintas aos diferentes níveis de carreira (classes adjuntos/II, III, IV e associados/II, III, IV). O servidor técnico administrativo da UFMS e membro da coordenação local do Sista-MS em Três Lagoas, Lucas Bocato, afirma que a greve vigora em defesa do serviço público de qualidade. “A reivindicação é justa da classe trabalhadora e precisa ser valorizada”.
Tentativas e resoluções
O dinheiro para o custeio dos salários dos mais de 200 mil funcionários federais é proveniente dos cofres públicos, o que significa uma despesa significativa para o Congresso Nacional, que define despesa como os gastos relacionados para o pagamento de pessoal (salários e encargos sociais) e para a manutenção e ampliação dos serviços públicos. O valor tido como ônus, é o mesmo que, ressignificado, pode fazer jus ao trabalho de qualidade exercido pelos profissionais da educação.
A projeção prevê que entre 2024 e 2025, haverá aumento do rombo fiscal, passando de mais de R$9 bilhões para R$21 bilhões. O economista Eduardo Matos explica que o governo não gasta somente com o setor educacional, mas sim com vários outros setores em conjunto, como industrial e saúde, e o dinheiro é dividido em verbas destinadas a cada um, tendo que cumprir com a Lei da Responsabilidade Fiscal que limita os gastos públicos em relação a receita.
“Um reajuste por menor que seja, pode impactar o orçamento total do governo federal e isso pode comprometer outras contas, a oferta de serviços públicos e os auxílios, por exemplo”
Neste sentido, é essencial um questionamento: será que o investimento em educação no Brasil é suficiente? Quando o país não destina o suficiente para honrar os reajustes salariais, os procedimentos monetários restritivos adotados podem trazer consequências negativas, como aumento na taxa de juros para conter a alta dos preços pela inflação e cortes no investimento em outras áreas, como programas sociais.
A possibilidade de pagamento em dia, porém, é comprometida em momentos de crise, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024. Eduardo informa, ainda, que além da questão econômica envolvida para destinar ou não os recursos administrados, está a questão política, que incide na aprovação pelo Senado Federal. “Existem determinados setores que são apadrinhados, então a partir do momento que tem lideranças políticas que votam a favor de determinados setores, outros ficam ao relento”. O economista Renato Gomes complementa que por meio dessa gestão, a União considera assegurar continuidade de serviços essenciais à população e que setores como a segurança pública podem estar associados a tais deliberações.
“As prioridades econômicas são definidas de acordo com negociações políticas e de impacto social, percebidas ao analisar a capacidade de disponibilização dos recursos financeiros”
O problema, portanto, não está no privilégio de algumas profissões, mas no planejamento e no histórico inadequado atrelados a elas. Esse foi um dos argumentos utilizados pelos grevistas para reforçar suas indignações comparativas, já que para a Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Penais, a Câmara dos Deputados concedeu mais de R$2 bilhões para reajustes, a partir de 2024.
Para conter o atraso educacional, o MGI realizou uma proposta, em abril de 2024, de reajuste idêntica para o funcionalismo federal, que chamou de proposta final. Conceder 9% em janeiro de 2025 e 3,5% em maio de 2026. Os 9% seriam a unificação da somatória de reajustes oferecidos anteriormente, em duas parcelas de 4,5% que estavam previstas para pagamento nos meses de maio de 2025 e 2026. O coordenador geral do Sista-MS, Lucivaldo Alves, explica que para os técnicos administrativos a equiparação salarial é mais prestigiada do que os reajustes salariais, que na sua opinião só servem para distanciar ainda mais as carreiras uma das outras no quesito de igualdade remuneratória. Assim, aqueles que recebem mais continuam a receber mais. Sem acordo, logo veio a surpresa. Em 27 de maio, a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e Ensino Básico Técnico e Tecnólogo (Proifes), que representa menos de 15% das instituições grevistas, aceitou a proposta de reajustes do MGI e assinou um acordo para pôr fim à greve. Sem pedido de negociação consensual totalitário. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), que representa a maior parte das instituições (incluindo a UFMS), entrou com pedido de judicialização para reverter o acordo. Dois dias depois, o acordo foi anulado pela 3ª Vara Federal de Sergipe.

Desfecho
O professor do curso de Audiovisual da UFMS, Rodrigo Sombra, aderiu ao movimento para fortalecer a decisão da maioria, apesar de ter votado contra a deflagração e opina que a não suspensão do calendário acadêmico foi uma das principais preocupações. Tanto ele, quanto os demais professores, dependiam das deliberativas locais dos comandos sindicais de greve para dar ou não a continuidade às aulas. O alívio da espera se deu no mês de junho de 2024, com novidades para o cenário educacional. No dia 10, o governo atualizou o orçamento das IFES com R$5,5 bilhões em investimentos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Destes, R$3,17 bilhões voltados à consolidação de estruturas das universidades; R$600 milhões para expansão e R$1,75 bilhões para hospitais universitários. O centro-oeste foi contemplado com R$205 milhões para a realização de 35 obras e a criação de um novo campi e, R$66 milhões para instalação de dois hospitais. Para os institutos federais, R$3,9 bilhões para a construção de cem campis pelo país. Um dia depois, em 11 de junho, o governo propôs para os Técnicos Administrativos em Educação (TAEs), um reajuste médio de 31,2% em quatro anos e aumento na progressão de carreira, passando de 3,9% para 4% em janeiro de 2025 e 4,1% em abril de 2026. O que permite chegar ao topo da carreira em 15 anos. O que significa 9% de reajuste em janeiro de 2025 e 5% em abril de 2026. A proposta prevê a criação, em 2026, de um benefício para remunerar os profissionais por titulações acadêmicas – Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC).
Após reunião com a Andes, no dia 14 de junho, se deu o começo para o fim da greve. O Ministério da Educação (MEC) informou aos docentes das universidades e institutos federais que poderia revogar a portaria 983 de novembro de 2020 – que eleva a carga horária mínima semanal – e, ainda, revisar a normativa 66 – que limita as progressões – se os trabalhadores acabassem com o movimento. Essas são concessões que não demandam recursos e que mantém a proposta final. No dia 18, a Adufms sinalizou a saída coletiva da paralisação ao concordar com as propostas e divulgou a pretensão de retornar às aulas em primeiro de julho. A categoria conquistou também a elevação dos steps de carreira de 4% para 5% até 2026 (exceto Adjunto/DI e DIII-I, que passam de 5% para 6% até 2026). Dois dias depois, em 20 de junho, os docentes e técnicos do IFMS acompanharam a decisão de retirada, na assembleia promovida pelo Sinasefe-MS. Ambas decisões dos sindicatos locais foram encaminhadas para os respectivos comandos nacionais no dia 21. Porém, o acordo final para a suspensão geral da greve, de técnicos administrativos e docentes, só foi formalizado em 27 de junho, com as assinaturas conjuntas da Andes, Sinasefe Nacional e Fasubra e o MGI.