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Opinião 94

Pertencimento

Texto: Taís Wölfert


Ilustrações: Akimi Ueda

O nervosismo já havia tomado conta de mim na noite anterior, me fazendo não dormir direito. Mas eu não imaginava que também ia travar o meu estômago, me impedindo de comer o que estava acostumada. Olhando para o meu reflexo no espelho, já completamente trajada com as roupas, peruca e, claro, a maquiagem do cosplay. Eu me sentia completamente diferente e radiante. Mas, afinal, o que é cosplay? Bom, em resumo é você se vestir como um personagem fictício (série, filme, livro, desenho) ou real (cantor, influencer, ator). Por isso, naquele momento, era como se eu fosse realmente alguém que havia saído do desenho para a realidade, e esse sentimento foi o suficiente para me tranquilizar.

A garota ficcional que eu representava naquele momento era Sakura Haruno, uma ninja médica do anime Naruto. E por que ela foi a escolhida para o meu primeiro cosplay? Primeiro, Naruto teve um grande impacto positivo na minha vida; segundo, eu havia ganho a peruca rosa no meu aniversário; terceiro, eu já tinha todo o traje, sendo necessário fazer apenas alguns ajustes.

No entanto, a tranquilidade que senti ao me olhar trajada no espelho, terminou assim que entrei no carro, acompanhada da família e indo em direção ao meu primeiro evento geek. Até porque ele era o único desse tipo no estado, e só acontecia uma vez ao ano.

Eu nunca havia participado de nada assim. Já tinha me vestido como outros personagens diversas vezes, mas apenas para tirar fotos e postar em redes sociais. Nunca havia saído caracterizada, nunca tinha ido a um evento deste tipo e, apesar de estar ansiosa para esse momento, me sentia amedrontada.

As pessoas que me viam pelo vidro do carro expressavam as mais diversas emoções. Algumas franziam o rosto e pareciam julgar negativamente, outras claramente reconheciam a personagem e havia aqueles que apenas expressavam algum tipo de curiosidade.

Quanto mais nos aproximávamos do evento, mais o nervosismo crescia. Até porque ele aconteceria num shopping, onde incluiriam diversas pessoas circulando com os mais diversos olhares e pensamentos. E isso me assustava.

No momento em que chegamos meu coração batia acelerado como nunca. A roupa vermelha e a peruca rosa chamavam atenção por si só. Paramos o carro a uma distância média da entrada do evento. Estava chovendo, e mais um receio se juntou à minha lista: o de borrar a maquiagem.

Assim que parei em pé ao lado de fora do veículo, recebi os mais diversos olhares e o medo tomou conta de mim. Não queria ser julgada. Mas estava ciente de que isso poderia acontecer, uma vez que pessoas próximas a mim já haviam feito críticas por querer me vestir como uma personagem de animação. Ouvi muitas vezes que era ‘coisa de criança’, que devia ‘tomar vergonha na cara e crescer’, que era ‘ridículo’. O medo de ouvir frases como essas vindas de dezenas de pessoas era mais do que suficiente para que meu coração acelerasse e as mãos suassem.

Na fila da entrada eu estava uma pilha de nervos, pelo menos tinha ido para a parte coberta e assim a maquiagem não corria mais risco. Porém, as mãos suavam sem parar e o coração tinha acelerado mais do que antes, além do estômago que começou a embrulhar.

Contudo, assim que coloquei os pés dentro do evento, todo o receio que sentia passou. O medo de receber ofensas desapareceu e foi substituído pelo acolhimento que não só as pessoas, mas o próprio local proporcionava, com aqueles diversos estandes do universo geek e a programação que o convidava a assistir à apresentação do momento.

Muitas pessoas vinham pedir para tirar uma foto comigo. Era gente elogiando, olhares admirados, uma interação junto com uma aceitação que nunca tinha experimentado. Cosplay com cosplay, geek com geek, e o que eu sentia naquele momento era uma sensação de pertencimento que jamais havia vivenciado e que me dava uma alegria maravilhosa. Me sentia parte de algo, finalmente achado o meu lugar, a minha comunidade. Eles não olhavam me julgando. O olhar era de admiração, e isso serviu para tornar mágica aquela experiência, transformar aquele dia em um dos melhores da minha vida.