Texto e ilustração: Pedro Fursts
Em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, a paixão pelo futebol transcende as fronteiras do campo e se enraíza no cotidiano de seus habitantes. Para muitos, torcer por um time é mais do que uma escolha esportiva; é uma extensão da identidade pessoal e coletiva, um elo que une gerações e comunidades. Mesmo sem clubes locais na elite do futebol brasileiro, os campo-grandenses mantêm viva a chama da paixão por meio das torcidas organizadas, que desempenham um papel fundamental na construção da identidade local e na promoção de ações sociais.
As torcidas organizadas em Campo Grande, como a Pavilhão Nove, Mancha Verde, Raça Rubro-Negra e Independente, são verdadeiros núcleos de pertencimento. Elas não apenas acompanham os jogos, mas também promovem campanhas solidárias, como arrecadações de alimentos e agasalhos, e organizam eventos que reforçam os laços entre os torcedores. Essas ações demonstram como a paixão pelo futebol pode ser um veículo para a transformação social e o fortalecimento da comunidade.
A devoção dos torcedores campo-grandenses vai além das arquibancadas. É comum ouvir histórias de pessoas que viajam centenas de quilômetros para assistir a uma partida de seu time do coração. Por exemplo, em 2013, um grupo de torcedores viajou mais de 1.100 quilômetros de Guarujá (SP) até Campo Grande para assistir a uma partida do Corinthians contra a Portuguesa no estádio Morenão. Esse tipo de dedicação reflete o compromisso e a paixão inabaláveis dos torcedores.
A identificação com um clube muitas vezes é transmitida de geração à geração. Histórias de pais que ensinam aos filhos a torcerem pelo mesmo time são comuns, fortalecendo os laços afetivos, familiares e comunitários. Esses vínculos são exemplos de como a identificação com um clube vai além do simples ato de torcer; se tornam uma tradição que molda a identidade de uma comunidade.
Nas redes sociais, essa relação se intensifica. Grupos e páginas dedicadas às torcidas organizadas promovem interação entre os torcedores, compartilhando notícias, organizando eventos e reforçando o senso de comunidade. As plataformas digitais se tornaram espaços de encontro e expressão, amplificando a paixão pelo futebol de forma inovadora.
Porém, também há desafios. O futebol sul-mato-grossense, com estádios frágeis e estrutura falha, tem afastado muitos torcedores das arquibancadas. O principal estádio, o Pedro Pedrossian, mais conhecido como “Morenão”, é o maior estádio universitário da América Latina, porém não recebe jogos oficiais desde 2022. Isso afastou o torcedor do estádio, e é urgente e necessário repensar o modelo do futebol local, para que assim, o tradicional futebol sul-mato-grossense volte a chamar atenção dos mais apaixonados pelo esporte.
Nesse cenário, as torcidas organizadas desempenham um papel de resistência. Elas buscam preservar a essência do clube e do futebol como um espaço popular, mesmo em estruturas precárias, como as do estádio Jacques da Luz, que recebe todos os jogos do tradicional Operário. As torcidas marcam presença, promovem ações que reafirmam os valores de coletividade e paixão genuína pelo esporte. Festas, caravanas e encontros dessas torcidas resistem à escassez do futebol e mantêm viva a chama da paixão que transcende os estádios.

A identificação com um clube, portanto, vai além do simples ato de torcer. Envolve uma série de práticas e valores que moldam a identidade dos torcedores e das comunidades. Em Campo Grande, essa identificação se manifesta nas ações sociais das torcidas organizadas, nas viagens para acompanhar os jogos, nas histórias transmitidas entre gerações e nas interações nas redes sociais. Tudo isso contribui para a construção de uma identidade coletiva que é, ao mesmo tempo, pessoal e compartilhada; viver uma experiência que molda o modo de ser e estar no mundo e compartilhar valores de solidariedade, resistência e identidade cultural.