Texto: Rafaela Palieraqui
Ilustrações: Isabelle Aquino
Prostituição. A escolha do assunto aprofundado nas reportagens deste jornal é feita a partir de um tema geral, que direciona a edição. A equipe composta por Gyovana e eu – estudantes de Jornalismo – decidiu compreender e aprofundar a vida das mulheres trabalhadoras do sexo e as dimensões da sexualidade humana. Achei que seria simples: contatar fontes, conversar com elas respeitosamente e, a partir de um interesse genuíno, levantar percepção, impressões e sentimentos. Estávamos interessadas nessa camada social. Porém, entramos em contato com mais de trinta garotas de programa e nenhuma topou conversar conosco.

Algumas por motivos pessoais, outras para não expor suas histórias. Havia também quem simplesmente não quisesse vincular sua imagem à profissão. Uma delas, apesar de não ter aceitado dar entrevista, contou que precisou se prostituir aos 13 anos para conseguir se alimentar. Outra, chegou a demonstrar entusiasmo com a proposta, dizendo que queria se tornar conhecida na internet para atrair mais clientes, mas também desistiu.

Durante quase dois meses de apuração, recorremos sem muito sucesso a personagens, e também a especialistas. Entrevistamos um antropólogo que pesquisa prostituição masculina, um linguista que nos explicou as origens dos termos ligados à prática, e dois psicólogos, que nos ajudaram a entender questões emocionais e saúde física relacionadas à ela.
Apesar das dificuldades, a pesquisa nos rendeu descobertas e conhecimentos interessantes. Um desses aprendizados é o de que uma das profissões mais antigas da humanidade, ao longo dos séculos, foi moldada por visões religiosas, morais e políticas, principalmente no contexto do cristianismo e do mundo ocidental. Os séculos XX e XXI acrescentaram novas mudanças com as novas tecnologias de comunicação.
Eu tinha outra visão. Achava que a prostituição estava sendo completamente romantizada – especialmente por meninas jovens nas redes sociais. Porém, tanto o linguista Marlon Leal, quanto o antropólogo Guilherme Passamani e a psicóloga Karin Schroeder concordam que algumas dessas mulheres apenas desejam ter prazer sem precisar se encaixar em uma relação monogâmica e querem ganhar dinheiro como em qualquer outra profissão. Por outro lado, outras mulheres estão nessa profissão por questões econômicas e sociais.
Não importa o meio de trabalho – OnlyFans, Privacy ou presencial – todas sofrem julgamento. Há um olhar crítico da sociedade sobre a sexualidade feminina, quando é preciso assegurar o direito de falar abertamente sobre o próprio corpo e de sentir prazer. Por que o julgamento incide apenas sobre as mulheres e não em quem consome? Por que, ainda, a moral religiosa e proposições conservadoras interferem tanto na sexualidade das mulheres?
Eu tinha outra visão, ao achar que todas as mulheres se prostituem porque estão em situação de vulnerabilidade econômica, o que implicaria em considerar que apenas pessoas de baixa renda e sem oportunidades se prostituíssem. Puro preconceito, puro desconhecimento. Os motivos para entrar nesse mundo são vários: algumas precisam pagar a faculdade, cuidar dos filhos, dar melhores oportunidades para a família, uma casa melhor e confortável, entre outros.
Eu tinha outra visão. Achava que iríamos entrevistar mulheres no meio da noite, talvez no centro da cidade, ou em alguma boate, mas descobri que isso é um estereótipo. Como diria Monique Prada, trabalhadora sexual, ativista, feminista e escritora, em 2023, a figura da prostituta nunca ocupa lugar neutro no debate. E, talvez, a gente tenha se proposto abordar um dos mais antigos preconceitos. Me incluo aí, nesse grupo que só via a prostituição a partir das lentes dos clichês, chavões e preconceitos.
Eu tinha outra visão. Achava que poderia observar a prostituição pelo binarismo do bom e do ruim, pela ideia da justificativa plausível, segundo minhas próprias percepções limitadas de mundo. Só que aprendi que não há lugar-comum quando a prostituição sai da esquina e assume a própria história.