Texto e ilustração: Maria Eduarda Santos
Sentada em um sofá azul-escuro, com cartazes de bandas de heavy metal nas paredes, ouvi um homem proferir a horrorosa frase: “Toda mulher é vagabunda”. A sentença tóxica reverbera nas paredes da machosfera e é o suficiente para moldar a mentalidade de diversos homens. Não é um pensamento isolado, parte de um movimento que se utiliza de frases prontas e genéricas para transformar as inseguranças masculinas em ódio e a solidão em violência.
A metáfora red pill ou pílula vermelha, surgiu no filme Matrix (1999), como uma simbologia relacionada ao despertar para a verdade oculta. O que era uma narrativa sobre questionar sistemas de controle, foi distorcida por grupos extremistas que afirmam ter “despertado” para a “verdade” sobre as mulheres.
Já os Incels, Involuntary Celibates (celibatários involuntários), surgiram em fóruns como o Reddit, onde homens sexual e emocionalmente abalados se uniram para disseminar ódio contra as mulheres. Essa narrativa é a justificativa para ataques violentos – como o caso de Elliot Rodger, que em Maio de 2014, assassinou seis pessoas em Santa Bárbara, Califórnia, com o objetivo de “matar toda vagabunda loira que encontrasse”. O YouTube e TikTok estão inundados de influenciadores que transformam essa aversão em monetização e em uma indústria rentável. Vídeos de “autoajuda masculina” acabam evoluindo para discursos abertamente misóginos e violentos.

Um psicólogo de Mato Grosso do Sul que trata especialmente homens, alerta que esse tipo de conteúdo está cada vez mais acessível, e que muitos homens acabam presos nessa falsa promessa de controle, se isolando e destruindo chances de qualquer tipo de relacionamento, pois desconfiam do afeto feminino. Ele ressalta que esse comportamento leva os homens a um um ciclo de raiva e solidão, muitas vezes, com vergonha dos próprios sentimentos.
A normalização desse discurso tem consequências criminosas. O feminicídio motivado por rejeição, como o caso do influencer Jonas Sulzbach, que matou a ex-companheira após ser supostamente “redpilado”, não é um caso isolado. É resultado de uma cultura que ensina homens a verem mulheres como objetos descartáveis. Isso poderia explicar alguns dos 14 casos de feminicídio que ocorreram em Mato Grosso do Sul em 2025.
Como um homem pode se achar no direito de tirar a vida de uma mulher para continuar a sua? Andrew Tate, por exemplo, não é um simples influenciador polêmico que se intitula misógino – é o arquiteto de um movimento que elevou a misoginia a um modelo de negócio e construiu uma fortuna estimada em milhões, vendendo a homens jovens e vulneráveis a promessa de que “dominar” as mulheres é o caminho para a riqueza e o poder. Seu império tóxico é sustentado por uma retórica machista de que “as mulheres pertencem aos homens”.
No Brasil, Thiago Schutz – ou o Calvo do Campari -, ataca figuras femininas públicas, ameaçando-as psicologicamente. Seus seguidores o veem como um homem que “diz o que os outros não têm coragem”, o que justificaria seu comportamento como de “autoajuda” e não pura intimidação.
A misoginia, ainda, se manifesta em produções midiáticas que banalizam a violência contra as mulheres. O jogo No Mercy, que foi banido em alguns países e removido de todas as plataformas, chocou ao transformar estupro e chantagem sexual em gameplay. Na Netflix, a série Adolescência expõe de forma crua como o discurso de ódio pode contaminar os jovens nas redes sociais, mostrando o processo de radicalização que vai de comentários de repulsa online até atos de violência na vida real.
Essas produções, embora o jogo seja claramente condenável e a série alerte sobre o problema, revelam como a cultura do ódio às mulheres se infiltra no entretenimento – seja reproduzindo a violência, seja denunciando sua presença alarmante na sociedade digital.
Enquanto plataformas lucram com a polêmica e influenciadores enriquecem vendendo raiva, mulheres continuam sendo assediadas, ameaçadas e mortas por aqueles que acreditam ter “poder” sobre elas.