Texto: Nélida Navarro
Ilustração: Maria Eduarda Boin
“Pai não declarado”. Essa é a expressão que consta na certidão de nascimento de 5,5 milhões de crianças brasileiras que não tem a paternidade reconhecida. Se esse número já é assustador, pior é ver, segundo informações da Data Popular, que existem 20 milhões de mães solo no Brasil, ou seja que aproximadamente uma a cada três mães cuidam dos filhos sem a ajuda do pai. Esses dados mostram uma realidade cruel: a irresponsabilidade de muitos homens leva um grande contingente de mulheres a ter que criar os filhos sem ajuda financeira ou psicológica do parceiro de concepção.

O documentário “Mães Solteiras” trabalha com esse tema muito comum em um país machista. Produzido em 2014, ele é dirigido por Ulisses Rocha, jornalista e apresentador de TV, e conta as experiências individuais de mulheres que engravidaram nos anos 60,70, 80 ou 90 épocas em que as características culturais discriminativas sobre mulheres e mães solteiras eram piores do que atualmente. Durante uma hora e vinte minutos, acompanhamos as histórias de quando descobriram a gravidez, o momento da revelação para os pais das crianças e família, a negação, o preconceito e a solidão.
Logo no início, imagens aéreas de Indaiatuba-SP mostram áreas ricas e pobres da cidade. Na primeira muitas casas, áreas arborizadas, enquanto na periferia há residências mais humildes e próximas umas às outras. Essas imagens são uma alusão às classes sociais das mães entrevistadas, mostrando que ser mãe solo pode acontecer em qualquer lugar, e desmistificar a imagem da mãe solo ligada apenas a comunidades empobrecidas.
A história começa com a voz de uma das mães falando de quando seu pai descobriu que estava grávida. Um homem radicalmente moralista, que se negou a acolher a filha.
“Quando ele viu que era dele, ele me procurou para fazer aborto”, disse outra das mães. A interrupção voluntária da gravidez é um dos temas tratados no documentário. De acordo com as mães, os pais das crianças lhes estipularam o aborto de modo rude, nunca como uma opção e sim como a única solução.
“Meu pai disse que não ia querer uma filha grávida dentro de casa.” A negação da família fica muito explícita nas falas. Os padrões sociais que dizem que uma mulher só pode ter filhos após o casamento são explicitados. O diretor do longa dá um espaço maior às falas das mulheres que contam os casos de preconceito que viveram. Como por exemplo o pai que encontra a filha na rua e cospe nela, depois de tê-la expulsado de casa, ou a avó que não aceitava uma neta mãe solteira.
“Quando o pai da minha filha descobriu que eu estava grávida, ele se mudou para outro estado. E eu comecei a criar ela.” A solidão é unânime para elas. Em alguns casos foram abandonadas, em outros o homem sumiu ou não assumiu o filho. Todas as mulheres entrevistadas contam como foi o processo de criação dos filhos, quais foram as dificuldades, os medos de ser mãe solo, o que elas sentiram e ainda sentem e, principalmente, o sentimento de solidão que foi imposto pelos familiares.
“O pai dele disse: Faça sua escolha! Ou eu ou seu filho. E eu fiz. Minha escolha tem 16 anos.” A coragem é uma característica que liga todas essas mulheres, que assumiram seus filhos, com ou sem apoio familiar. O processo, segundo elas, não continua sendo fácil, mas é necessário ‘criar casca’, ser forte, para assumir um papel que ainda hoje grande parte da da sociedade repudia: ser mãe solo.
Ao final do documentário, dois filhos refletem sobre suas mães e a ausência de seus pais. “A minha mãe sempre cuidou muito bem de mim.” A maternidade solo para eles foi a salvação. Já os pais são grandes incógnitas.
Todas as mães passam por vários estágios de felicidade, nervosismo incertezas que são comuns em uma gestação e ao longo da vida. Mas as mães solo passam por esses momentos de maneira mais aflorada e delicada.
As opiniões que circulam na sociedade sobre a comunidade de mães solo são diversificadas. Uma personagem do documentário, fala que hoje é fácil ser mãe solteira. Mas mesmo atualmente vemos que são fortes certos padrões sociais estabelecidos em relação a maternidade solo. Há vídeos no Youtube que destilam muito preconceito com as mães solteiras, utilizando de discursos de ódio e sarcasmo para se referir a elas.
Essas mulheres enfrentaram e enfrentam marés de incertezas, medos, preconceitos, mas com coragem e força lutam por dias melhores para cuidar de seus filhos e por uma sociedade mais respeitosa e igualitária.