Maria Luiza Massulo
Alí, no cantinho da sala, um grupo de meninas cochicham baixo umas com as outras, visivelmente agitadas. Uma delas menstruou no auge dos seus dez anos. As informações que permeiam a conversa com as amigas são bastante superficiais. Não passam daquilo que a mãe, envergonhada, conseguiu explicar.

Mesmo que em idades, lugares e contextos diferentes, essa memória de uma primeira menstruação nebulosa, repleta de incertezas, estigmas e tabus, é comum entre muitas mulheres. De acordo com a pesquisa Menstruation Taboos, realizada pela revista Capricho com o apoio da Abril Inteligências, em 2018, 49% das mulheres não sabiam o que estava acontecendo, ou tinham pouca informação a respeito, quando passaram pela menarca. É esse início, desajeitado, vergonhoso, e repleto de informações sobre como ela pode ser escondida e não sobre como ela de fato funciona, que nos ensina, ainda na infância, que a menstruação se passa em silêncio.
Definir em que momento a menstruação passou a ser um grande tabu é extremamente difícil, afinal ela sempre intrigou a humanidade das mais diferentes formas. Para algumas sociedades antigas era visto como algo místico e sagrado e o sangue menstrual era utilizado para magias de amor e cura. Foi com alguns filósofos, todos homens interessados em órgãos reprodutores alheios, que o sangue menstrual passou a ser sinônimo de impureza, vergonha e até de toxicidade.
Ainda que exista, hoje, um forte movimento para que possamos voltar a encarar a menstruação de forma divina, a vergonha ainda é o que perdura e é tamanha que muitas vezes agimos como se o sangramento menstrual nem existisse, ou, quando não podemos ignorá-lo, tentamos fazer com que as outras pessoas desconheçam a sua existência. Os absorventes ficam escondidos nos bolsos das calças, espremidos na mão fechada enquanto corremos para o banheiro, ou em bolsinhas discretas, nas quais ninguém diria que estão os tampões. Além disso, diferentes expressões são criadas para que não precisemos, sequer, citar a palavra menstruação durante uma conversa casual. Essa timidez não é infundada, afinal diversas piadinhas inconvenientes costumam vir à tona quando uma calça manchada, ou um comentário bobo, revelam esse período do mês. Segundo enquete realizada pela UNICEF e pela UNFPA, em 2021, 73% das mulheres afirmam terem passado por situações constrangedoras em lugares públicos durante o período menstrual.
Enquanto isso, há diversas meninas que, por falta de conhecimento, não sabem como cuidar do próprio corpo durante a menstruação, passando horas sem trocar os absorventes, utilizando de forma errada e contribuindo para o surgimento de diversas infecções. Se engana quem acredita que quando a educação necessária não acontece a partir da família, acontecerá no ambiente escolar. A verdade é que, a pesquisa citada acima, revela que 71% das meninas afirmam nunca terem tido aulas, palestras ou rodas de conversa sobre cuidados na menstruação na escola. As dificuldades são ainda maiores para aquelas que não possuem acesso nem aos produtos básicos para a realização de uma higiene menstrual. Atualmente, de acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, de 2021, realizado pela UNFPA e UNICEF, mais de 4 milhões de mulheres não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais. E quando faltam absorventes, tudo vale, lencinhos, uma folha de jornal, um miolo de pão.
Os únicos realmente beneficiados pela manutenção desse tabu são as grandes empresas de higiene, que lucram com o comércio de produtos menstruais. Com propagandas “sensacionais”, que prometem segurança e liberdade para que mulheres possam enfim usar roupas claras sem se preocuparem com as possíveis manchas. Na prática de esportes, o comércio de absorventes procura manter essa aversão à menstruação, vendendo um ideal quase inalcançável do que seria o período menstrual perfeito. Também é de grande costume dessas marcas reforçar a relação que constantemente é feita entre a menstruação e a sujeira, o mau cheiro e etc.
Lutar para que esse tabu se transforme em algo natural é permitir que meninas lidem de forma mais tranquila com a menstruação, sem precisarem se limitar durante o período menstrual e serem agressivas com o próprio corpo, se submetendo ao desconforto. Com a educação conseguiremos fazer com que as meninas entendam que não é nojento e vergonhoso, nem místico e espiritual. A menstruação é apenas um processo natural do ciclo reprodutivo feminino, que expulsa o endométrio quando não há a fecundação. É sério que ainda fazemos um escândalo por causa disso?
