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Opinião 95

Arquibancadas vazias, mesmos placares

Texto: Gabriel Neri | Leandra Mergener
Ilustração: Norberto Liberator


A pandemia de coronavírus suspendeu o futebol brasileiro na segunda semana de março. Já naquela época a última partida autorizada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) antes da pausa foi realizada sem torcida, e até o momento em que fechamos este texto, mesmo depois do retorno das competições, nenhum jogo das principais competições nacionais teve a presença de público. O que fez toda a dinâmica envolvendo torcida e jogadores mudar.

A interrupção foi decretada justamente quando os campeonatos estaduais estavam chegando às fases finais, e quando a Copa do Brasil, primeira competição nacional do calendário, estava ainda na terceira fase. O Campeonato Sul-Mato-Grossense tinha finalizado a primeira fase e aguardava as partidas das quartas de final.

As competições da região Sudeste (com exceção do Espírito Santo) e Sul, que concentram 27 dos 40 clubes presentes no Campeonato Brasileiro das séries A e B, começaram a voltar no mês de julho. Em agosto, os torneios organizados pela CBF também voltaram, e pela primeira vez na era dos pontos corridos, desde 2003, irão até o ano seguinte. Além disso, a partir do retorno, todos os jogos foram realizados sem torcida, e testes semanais de covid-19 passaram a ser obrigatórios nos atletas e comissão técnica.

A pausa nos campeonatos foi a maior que já ocorreu desde a profissionalização do futebol, em 1930. Além dela, os jogos sofreram algumas mudanças após o retorno, como o aumento de três para cinco substituições, a obrigatoriedade do uso de máscaras e de distanciamento pelos jogadores que ficam no banco de reservas, e a proibição de torcida nas arquibancadas. Nas primeiras partidas, parecia estranho a falta de vida nos estádios, mas com o tempo, torcedores e jogadores se acostumaram ao ‘novo normal’ imposto pela pandemia.

Uma das ‘soluções’ construídas pelos clubes das duas principais divisões foi a ambientação com sons de torcida, as chamadas ‘torcidas de alto-falante’. Para quem assiste à partida pela televisão ou acompanha pelo rádio, a impressão é que o estádio está lotado. Outra ideia foi a utilização dos espaços vazios para colocar bandeiras, faixas e fotos de torcedores. No entanto, não existe o setor para o visitante, como acontecia na presença de público, sendo somente o time local com torcida. Também não há o fator inesperado do torcedor que pressiona o rival ou vaia o próprio time.

Longe dos estádios, as torcidas encontraram caminhos para apoiar os clubes. A principal forma criada foi a ‘rua de fogo’, que é a recepção dos jogadores nas ruas de acesso ao estádio ou aeroporto com sinalizadores, criando fumaça ao redor do ônibus. Outra, mais inusitada, foi feita pela torcida do Internacional, que navegou pelo rio Guaíba, cantando, até o Centro de Treinamento do time. Tal qual os jogos, o amor do torcedor não parou e ele arrisca a vida pelo sentimento que carrega no coração.

Apesar de não haver torcedor na arquibancada, os times que jogam em casa seguiram tendo vantagem sobre os visitantes. Comparando números dos dois últimos Campeonatos Brasileiros das séries A e B, bem como o primeiro turno de 2020 de cada competição, não há alterações significativas na porcentagem de vitórias para locais e visitantes. A Série A tem 380 jogos por temporada divididos em 38 rodadas e 20 clubes. Em 2020, no primeiro turno da competição, os mandantes tiveram 45% das vitórias e os visitantes 22%. No Brasileirão de 2018, os mandantes ganharam 52,9% dos jogos, percentual que em 2019 foi de 47,4%. Ou seja, com metade do campeonato de 2020 já realizado, a variação é pequena para dizer que a falta de torcida influenciou diretamente nos resultados.

Assim, enquanto a pandemia segue acumulando casos e mortes pela covid-19 o ‘novo normal’ não alterou o curso do futebol brasileiro, mantendo a média de vitórias e empates dos últimos dois anos. O futebol, que é o “espelho do mundo”, como dizia o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), foi se adaptando ao cenário pandêmico, e isso parece ter influenciado pouco nos resultados. Mas fora de campo, o estádio segue vazio e as ruas cheias de torcedores que desejam voltar a apoiar seus times.