Texto e ilustração: Mariana Viana
A vida é perigosa para mulheres lésbicas, bissexuais e panssexuais. Atenção, menina, ao dar as mãos na rua, um beijo discreto assombra, atenção às roupas que não performam feminilidade, colocando a cara à tapa. É preciso estar atenta e forte ao sair na rua com roupas que não são esperadas para uma mulher, não temos tempo de temer a morte. Ana Caroline, uma mulher lésbica, foi morta de forma brutal, com sua orelha, couro cabeludo, olhos e pele do rosto arrancados em janeiro de 2024. Ela era uma mulher de cabelo curto e que usava bermuda e camisa de botão.
Atenção, menina. Além do preconceito explícito que atinge milhares de brasileiras como Ana Carolina, a repressão pode vir de outra forma. A performance da feminilidade é uma expectativa, um estereótipo, uma ideia mantida socialmente. O termo está relacionado ao conjunto de características, atitudes e jeitos de agir exigidos das mulheres. Ser mulher não está ligado apenas à determinação do gênero ou do sexo, mas também à construção social.
A sociedade patriarcal impõe às mulheres, a maneira como elas devem se vestir, se portar, com quem se relacionar, que lugares ocupar, onde ir, o que comprar, os hobbies que podem ter, entre muitas outras formas de controle e opressão.
Mas e se elas não quiserem seguir as imposições? E se elas não se encaixarem na heteronormatividade? Se elas quiserem se vestir de um jeito particular que não acessa um, algum ou todos os estereótipos femininos? O termo “desfem” é uma abreviação de desfeminilizada ou desfeminilização, e é utilizado para descrever mulheres que não performam a tal da feminilidade idealizada.

Desviar desse caminho já traçado desde seu nascimento é um ato de rebeldia. Como se cada mulher que escolhesse outro caminho estivesse tentando romper uma corda amarrada a um poste, em praça pública. Exposta, julgada e instantaneamente condenada. Sua imagem, então, é empacotada em caixinhas delicadas, coberta de laços cor-de-rosa e florzinhas e detalhes delicados. Aquela tal feminilidade imposta, não escolhida.
Desde a infância, o sonho da família ao chegar uma menina é que ela seja uma princesinha que usa rosa, depois salto alto, maquiagem e vestido. Os ferimentos parecem pequenos, mas são incuráveis. Em um evento social, qual roupa usar? A resposta imediata para uma mulher é, um vestido. “Mas mãe, eu não quero usar vestido”. A opinião da menina não importa.
A sociedade impõe a expectativa e a mulher, correndo atrás do ideal, a compra.
Com outros tipos de roupa seus olhos brilham. Mas ao mesmo tempo vem a sensação de julgamento, de estar fazendo algo errado, de decepção, mais uma vez, daquela tal expectativa. Ter direito de escolha na vestimenta tem a ver com ter direito a expressar a própria personalidade sem medo.
A percepção de crescer e perceber que existe um mundo de possibilidades é libertador, e talvez venha daí a verdadeira sensação de liberdade. Sair desse preconceito enraizado em casa e voar para o mundo, entender que todas as pessoas – sem distinção – merecem afeto e acolhimento e que a vulnerabilidade não te rebaixa. Talvez isso seja o que as pessoas chamam de liberdade. E aí você se abre para sentir, idealizar e principalmente viver como seria namorar uma mulher. Então, em um relacionamento entre duas mulheres não deve existir o homem da relação.
A heteronormatividade assombra as relações sáficas, aquelas entre mulheres. Ainda hoje, em um casal no qual uma é fem e outra desfem, quem paga a conta? Quem dá as flores? Quem abre a porta do carro? Quem dirige? Quem faz os trabalhos braçais?
A resposta é: tanto faz. Para uma mulher desfem, o posto de “homem da relação” é doloroso, cansativo e uma agressão íntima. Amar é uma via de mão dupla, e não um fardo que deve ser carregado apenas por um dos lados. O afeto para quem é desfem não pode ser apenas dado, deve ser recebido. Mesmo que ela não esteja de vestido.