Da Rodô Desiste, à Onde a Cultura Não Faz Morada, fazendo uma Viagem no Trem Abandonado e mergulhando nas antigas Pérolas de Ilusão e terminando nos Frutos que Amadurecem, a edição 100 propõe uma viagem aos lugares de uma Campo Grande narrados nas páginas do Projétil
Texto: Alexandra Cavalcanti | Clara Borba | Lanna Emi | Pedro Vieira
O caminho traçado nesta reportagem parte de 1990, passando por 2014, 2016, 2017, 2018, até chegar finalmente em 2023, na edição 100. Histórias em diferentes espaços físicos, marcadas por esperanças, frustrações, anseios e principalmente memórias, ficaram gravadas nas publicações do Projétil.
Ao folhear as páginas de edições passadas, nos deparamos com uma Campo Grande diferente da que vivenciamos hoje. Espaços culturais que antes eram importantes para a capital e hoje se encontram abandonados, lugares turísticos que não acreditávamos que um dia ficariam prontos e hoje são expoentes no país. A cidade morena mudou muito com o passar do anos.
Repetimos o convite das repórteres da edição 83 e convidamos o leitor a fazer uma viagem por lugares que marcam a história de Campo Grande. O bilhete é a memória. Escolha a sua poltrona, o passeio vai começar.
Primeira parada – Rua Barão do Rio Branco, Amambaí

A primeira parada não poderia ser em outro lugar que não a antiga rodoviária, ponto que durante 37 anos foi a porta de entrada à cidade para milhares de pessoas. A Estação Rodoviária Heitor Eduardo Laburu nos dá as boas-vindas para iniciarmos nosso passeio.
Colocar os pés neste lugar, deveria ser como adentrar em um baú de histórias, mas a verdadeira sensação é outra. O medo instaurado por um local que se tornou ponto de tráfico de drogas e de prostituição, nos cercou e o que deveria ser nossa primeira parada, acabou se tornando a última. Nossa equipe atual buscou organizações que pudessem acompanhar nossa visita à antiga estação rodoviária, a qual a resposta foi de que pararam de realizar as idas por causa do perigo que encontraram na região.
Apesar da angústia, prosseguimos nosso caminho. E logo na Avenida Ernesto Geisel, a ansiedade já nos consome. Subindo a rua Dom Aquino, nos deparamos com lojas abertas e trabalhadores na rua, não parece o filme de terror que estávamos à espera. Virando à esquerda, na rua Joaquim Nabuco, a visão é de um tapume amassado e pichado, continuando o contorno do local, na rua Barão do Rio Branco o medo retorna. Aqui as lojas estão todas fechadas, e de longe podemos ver pessoas fazendo o uso de drogas. Apesar da grande movimentação de carros, a percepção de abandono é gritante. Não conseguimos nos adentrar mais, a rua Vasconcelos Fernandes, que abrigava a entrada do terminal rodoviário, não nos é nada convidativa. “É uma Cracolândia ali”, afirma o engenheiro civil Elias Lino.
Outrora, o local que ainda fantasiava receber turistas, vive hoje a desilusão de uma reforma interminável
O engenheiro nos explica que as coisas pioram de noite e as consequências vão além do prédio. “Eles estão invadindo a obra e fazendo o furto de material lá dentro. Nós solicitamos a vigilância, inclusive, tem alguns hotéis lá próximo que estavam reclamando”. Devido às diversas reclamações que fizeram a instalação dos tapumes.
No entorno, a herança de um lugar que foi a chegada de milhares de turistas é percebida na existência de pelo menos cinco hotéis ao redor, que vêm sofrendo com os ataques das pessoas em situação de rua. “Eles chegam à noite, e pegam pau e pedra. Eles ficam jogando no tapume, aí aquela barulheira que eles fazem, espanta os clientes”.
Em 2014, na edição 83, as repórteres Fernanda Nogueira, Jacqueline Gonçalo e Nicolle Ignacio tiveram uma oportunidade diferente da nossa, as aspirantes a jornalistas puderam passar o dia no antigo cartão de visitas da cidade de forma segura. A grande diferença já se deu na recepção do local que as recebeu por meio de uma placa “Bem vindo a Campo Grande – Welcome to Campo Grande”. A sombra de um passado que aguardava passageiros do Brasil e a fora, já não recebia turistas há quatro anos, mas a esperança ainda pairava no centro comercial.
Na expectativa de viajantes, o local armazenava uma variedade de cacarecos. Garrafas de cerveja, mochilas, camisetas, relógios, fones de ouvido, fotografias 3×4, óculos, malas, roupas de banho, CDs e até mesmo uma variedade de discos de vinil, eram encontrados. “A Rodoviária Antiga, certamente, é o lugar para encontrar raridades”, afirmaram as autoras. Apesar da falta de novos visitantes, o ambiente não estava abandonado. Taxistas e homens no bar preenchiam o vazio deixado pelo esquecimento.
Na edição 100, a placa que nos recebe é outra, “Obra: requalificação da área pública do Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu, no município de Campo Grande”. Outrora, o local que ainda fantasiava receber turistas, vive hoje a desilusão de uma reforma interminável. O ex-senador Nelsinho Trad foi o primeiro a realizar a promessa; em 2019, o político foi responsável por viabilizar os recursos para as obras no prédio. Dois anos depois foi a vez do ex-prefeito Marquinhos Trad, que apresentou no aniversário da cidade o projeto de revitalização do local. No dia primeiro de julho de 2022, Adriane Lopes, a atual prefeita, assinou a ordem de serviço para um novo início de obras.
O prédio inaugurado em 16 de outubro de 1976 foi alvo de promessas vazias de reformas que nunca se concretizaram. A afirmação é que dessa vez a obra estará pronta no feriado de 26 de agosto neste ano, mas, Elias Lino já nos adianta que não tem como a construção ser finalizada a tempo. Enquanto continuamos no aguardo da obra ser concluída, podemos passar para nossa segunda parada.
Segunda parada – Avenida Afonso Pena, Centro


Entre três conversões à esquerda e uma à direita, chegamos na nossa segunda parada. Refletido nas paredes amarelas desbotadas, as memórias do que a Moradas dos Baís já foi, se perdem no tempo. Após ser usada como residência, pensão, passar por um incêndio e ser reformada novamente, a casa permanece à deriva do passar dos anos. Atualmente, o primeiro sobrado em alvenaria da cidade se encontra abandonado. As escadas que um dia serviram para adentrar ao prédio, se tornaram um banco para os pedestres cansados que passam pela avenida.
O ponto representava um pedaço importante do passado de Campo Grande e da família Baís, e recebia visitantes frequentemente. Por seis anos, entre 2015 e 2021, o Sesc cuidou da administração, permitindo que o local fosse casa de diversas exposições artísticas, incluindo artes da própria Casa do Artesão. “Espaços expositivos de artes visuais, sala de cinema, cafés literários, programação infantil com oficinas, cine clubinho e contação de histórias, festival de circo, shows musicais, peça de teatro, restaurante com comida típica sul-mato-grossense. Estas são atividades oferecidas pelo lugar”, cita Maria Paula Garcia na edição 88, que na época pôde visitar o local.
Hoje, as portas e janelas marrons com detalhes brancos estão fechadas, para os visitantes e para a equipe do Projétil atual, que observa de fora devido a interdição por riscos estruturais. O olhar que podemos ter por trás dos portões fechados, é saudosista. Relembramos do espaço que um dia visitamos para conhecer mais a história da cidade, onde pudemos acompanhar diversos shows. Na edição 100, encontramos um lugar que afirmamos, é onde a cultura não faz mais morada.
Na edição 100, encontramos um lugar que afirmamos, é onde a cultura não faz mais morada
O monumento contrasta com as paredes vibrantes recém- pintadas e uma iluminação amarelada, apenas a uma quadra de distância. Atravessando a Avenida Afonso Pena a pé, damos de cara com uma casa enorme em uma esquina pra lá de movimentada. O reflexo de um fantasma do passado e o presente que se separam apenas por uma rua.
A Casa do Artesão nos recebe de braços abertos e portas de vidro que apresentam o que o local tem de melhor, o interior. O espaço aconchegante, repleto de tijolinhos e madeira à vista, contempla as obras de vários artesãos, que são os destaques do ponto turístico. A artesã Sotera Sanches da Silva nos explica como o ponto turístico faz parte da história de sua família. “Minha sogra começou, e agora meu filho continua, o Mariano Neto”. Ela conta que antes mesmo da abertura da Casa do Artesão, sua sogra, Conceição Freitas da Silva, já produzia os famosos Bugrinhos e hoje, o neto da famosa artesã paraguaia preenche as paredes do ponto turístico. A história é que os bugres surgiram de um sonho de Conceição, que acordou, pegou uma rama de mandioca e deu vida a seu primeiro bugrinho. A figura emblemática já viajou o Brasil representando o Mato Grosso do Sul, e passou até mesmo por museus como o MASP, Museu de Arte de São Paulo, e podemos encontrá-la aqui. Dona Sotera aproveitou para nos avisar. “Tem que comprar um totem para segurar o homem, hein”?
Na continuação da parede que observamos os bugrinhos, nos deparamos com uma parede de nichos até o teto que atrai o olhar e apresenta a junção da modernidade da decoração com a tradição indígena do barro cozido e esculturas de madeira. Cestas trançadas, animais de madeira, artes de papel, vasos decorados, bolsas de palha, todos se espalham pelo ambiente em armários dispostos cuidadosamente para dar destaque aos artesanatos.
O ponto turístico fechou em 2021 para reforma e retornou este ano com tudo revitalizado. “A casa está muito linda”, afirma Eliane Torres, diretora da Casa do Artesão. Desde um pouco antes da pandemia de covid-19 o local vinha passando por dificuldades após a reforma, e hoje está recebendo três vezes mais turistas do que nos últimos cinco anos, segundo a diretora.
No balcão perto da porta, um caderno cheio de nomes e cidades. Nosso espanto é grande ao perceber que a maioria das cidades encontradas ficam fora do estado. Visitantes de todas as partes do Brasil, vieram para levar um pedacinho de Mato Grosso do Sul, assinaram o caderno e carregaram consigo lembranças na bagagem. Atualmente, a Casa do Artesão recebe em média 200 visitantes por dia. “Às vezes até mais, às vezes vem um ônibus de turista, às vezes vem escolas participar, conhecer a casa”, cita Eliane.
Enquanto observamos as esculturas sul-mato-grossenses, vemos vários visitantes entrar e sair da casa. “Eu já tinha vindo aqui, mas agora retornei com o Yuri, para mostrar a nossa cultura”, diz o visitante Fernando Campos Peixoto, mestrando em Educação. O jovem conta como acha importante valorizar a cultura do povo do Mato Grosso do Sul, “São artesanatos muito bonitos, né? Muito valiosos e que eu acho que vale muito a pena”. Yuri Carvalho, estudante de Filosofia, veio do Rio de Janeiro para fazer sua faculdade e está encantado com a cultura do estado. “Estou achando bem interessante, é bem bonito, né? São obras realmente bem artesanais, reflete bastante a cultura sul-mato-grossense”. Acompanhamos o passeio dos jovens e com nossa sacolinha de lembranças na mão, aproveitamos a deixa para prosseguir para nosso próximo destino.
Terceira parada – Avenida Calógeras, Centro

Adentrando o centro da cidade, subindo a rua 14 de Julho, chegamos ao nosso próximo destino, a Esplanada Ferroviária. A rua está vazia o bastante para ter uma imagem sóbria do monumento tombado. Os ladrilhos junto às paredes com a pintura desgastada, marcam o início da avenida, nos levando à uma viagem no tempo.
Nas folhas em preto e branco, da segunda edição do Projétil, encontramos o registro de uma verdadeira viagem ao Trem do Pantanal. A melodia, no caso, era cantada pelos vendedores ambulantes, “Geladinha! Picolé! Chipa! Queijo! Coxinha! Peixe frito!”. Em 1990, os repórteres do jornal acompanharam 400 passageiros no trajeto de Campo Grande a Corumbá.
“Fazendeiros, peões, índios, negros, paraguaios, bolivianos, hippies, turistas, mulheres grávidas, velhos, crianças chorando no colo das mães, moças que não são tão moças assim” compunham os diferentes sotaques ouvidos pelos autores, Eldi Inês Willms e Lúdio da Silva. A viagem para conhecer o Pantanal Sul-mato-grossense apresentava mais do que uma vista nas janelas. Desde turistas que buscavam uma experiência inesquecível, até viajantes assíduos, que realizavam viagens rotineiras, a verdadeira obra retratada pelos repórteres, era a miscigenação encontrada no trem. Durante a segunda edição, os repórteres apresentaram a ameaça que a integração cultural sofria, “A insensibilidade do Governo Federal quer tirar dos trilhos”. Apenas cinco anos após a publicação do jornal, o trem de passageiros entre Campo Grande e Corumbá foi desativado.
Quase 30 anos depois do primeiro relato do trem no Projétil, novos repórteres retornam ao local que semeou a cidade. Na edição 88, os estudantes de jornalismo, Adrian Albuquerque, Daniel Catuver e Gabriela Coniutti, retratam o peso que a construção da ferrovia teve na população campo-grandense. Os futuros jornalistas pontuam a importância da construção do trem para a miscigenação da cidade e apresentam a tristeza de um ex-chefe de estação, com o fim da linha. “A estrada de ferro Noroeste do Brasil (NOB) continua a atravessar a memória daqueles que tiveram suas vidas marcadas pela ferrovia”.
Em 2023, podemos observar bem a fachada. As cores que um dia foram amareladas, hoje passaram a ter uma matiz azul desbotada, quase branca. Os ladrilhos nos guiam para os portões de entrada, lanternas de papel iluminam o vazio que os trilhos deixaram. O espaço que um dia serviu para levar passageiros a uma viagem, hoje encontrou um novo destino.
A estrada de ferro Noroeste do Brasil (NOB) continua a atravessar a memória daqueles que tiveram suas vidas marcadas pela ferrovia
Caminhar pela antiga ferrovia é sinônimo de viver uma nova carga histórica. “Não só quem vem de fora, mas o próprio campo-grandense pode conhecer um pouco da nossa história através da ferrovia”, afirma Ramão Barros Leite, gestor da plataforma cultural. O trajeto na edição 100, gira em torno de um palco que recebe exposições de arte, brechós, feiras livres, apresentações de teatro, música e dança, intervenções artísticas, ateliê, entre outras manifestações culturais.
“Espaços para apresentações culturais são de fundamental importância para qualquer cidade”, afirma Espedito Di Montebranco, idealizador da Cerimônia do Prêmio Campo Grande ao Teatro. A Esplanada Ferroviária foi um dos locais selecionados para sediar a premiação no mês de abril, apresentando a peça “As Miragens do Asfalto”. A escolha se deu justamente por ser uma obra que retrata a história do fim da estação de passageiros dos trens da estrada de ferro Noroeste do Brasil. Além de ser fundamental para a apresentação da encenação, o lugar se torna ainda mais relevante ao notar que a capital está com um déficit de recintos dedicados ao teatro. Os teatros Municipal José Octávio Guizzo, Aracy Balabanian, Prosa e o Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo estão fechados – alguns para reforma e outros de forma definitiva – por anos. “Precisamos de espaços que funcionem. Onde tenha estrutura para receber desde os pequenos a grandes espetáculos”, afirma Espedito. Representando a cultura sul-mato-grossense, os troféus da premiação eram os Bugrinhos feitos por Mariano Antunes Cabral Silva.
E não só para espetáculos teatrais que a plataforma é relevante. Desde 2006, é de trem que o carnaval chega em Campo Grande.
Trilhos do carnaval
Falar de samba, amor, música e folia, é falar de carnaval. Em Campo Grande, no coração da cidade, uma das mais antigas agremiações carnavalescas do estado mantém a chama da cultura popular acesa: o Cordão Valu.
O bloco carnavalesco surgiu como uma forma de resistência cultural e segue até os dias atuais como um símbolo da folia e uma das principais formas de animar as ruas da capital durante o carnaval. Porém, muito além da festa, o cordão também é símbolo de resistência. Fundado em 1935, por Silvana Valu, junto ao seu marido Jefferson Contar, o cordão nasceu da vontade de trazer os foliões para fora dos clubes de elite e colocá-los para sambar nas ruas públicas, um lugar de todos. E, desde então, ao longo dos anos, enfrenta uma série de desafios para manter viva a tradição dos antigos carnavais de rua.
Conseguir o espaço público e acessível é um dos grandes desafios. A Esplanada Ferroviária, que é palco de festa, é alvo frequente de discussões anuais daqueles que desejam mudar o local do Carnaval em Campo Grande. Segundo Silvana, toda vez que o cenário cultural avança, uma delegação, movimentada por uma onda conservadora, resolve discutir o fim do carnaval no local. “A gente mostra que o povo gosta, coloca 50 mil foliões na rua e a onda conservadora vem novamente para discutir onde o carnaval deve ser feito, e se deve ser feito”, comenta a idealizadora do bloco.
Com um cenário cultural defasado, o poder de deselitizar o carnaval campo-grandense trouxe uma mudança na forma de se ver a festa, mas alguns desafios, comentados por Silvana na edição 87 do projétil em 2016, ainda persistem. Dentre eles, o principal é o incentivo financeiro direcionado à cultura na capital. “Conforme o bloco cresceu, o público aumentou, então demanda muito mais […] desde a estrutura até as negociações com o poder público”.
O Cordão Valu possui cerca de 80 anos de existência, mas somente em 2023 recebeu apoio do Governo do Estado, que ajudou com a estrutura e com as caixas de som. Segundo Silvana, apesar do apoio, todos os anos são uma luta constante, que vão de motivos financeiros até culturais. “Ainda falta muita coisa, a gente precisa de um olhar especial para a cultura, precisa discutir muito mais sobre a cultura na nossa cidade, precisa revisitar tudo isso”.
Quarta parada – Avenida Afonso Pena, Chácara Cachoeira

Mesmo em uma sexta-feira de manhã, o tráfego até o Bioparque Pantanal já entregava a multidão à nossa espera. Subindo a avenida Mato Grosso e contornando o Parque das Nações, nos deparamos com um mar de carros que deságua rua abaixo. O empreendimento recebe milhares de pessoas, sejam eles turistas ou moradores da cidade – todos os dias. No caminho, o maior aquário de água doce do mundo já se mostra de longe. Lotado por todos os cantos, o Bioparque do Pantanal se impõe e é citado pela diretora do aquário, Maria Fernanda Balestieri, como orgulho do Mato Grosso do Sul. Porém, nem sempre foi assim. Na edição 87 o registro foi outro. “O que seria motivo de orgulho ainda não se tornou realidade”, dizem Ketlen Gomes e Vitória Teslenco.
Em 2017 a equipe de repórteres encontrou uma cena muito diferente, apenas dois seguranças em frente à obra. A construção estava paralisada há anos devido a uma briga na justiça e mesmo com engenheiros afirmando que faltavam 5% para ser finalizada, o aquário só foi inaugurado em março de 2022. O Bioparque não tinha previsão de inauguração e mesmo assim já prometia ser uma obra grandiosa e inovadora. O nome da matéria já evidenciava o retrato escrito por elas, “Pérola de Ilusões”.
Hoje, os resquícios de uma obra que levou 11 anos para ser concluída sumiram. Os dois seguranças foram substituídos por uma fachada lotada de adolescentes, crianças correndo, um grupo de estudantes sorridentes e várias famílias. Um casal de carteiros e sua filha nos contam como estavam ansiosos pelo passeio e que agendaram a visita ao Bioparque assim que souberam que passariam pela cidade. “Somos de Rio Brilhante, e assim como as crianças estamos encantados com os peixes e a beleza individual de cada um, né? Foi um passeio muito legal”, afirmou Eleudimar Silveira Gomes.
A diretora do ponto turístico, acredita que a empolgação que o casal de visitantes teve para conhecer o aquário, é resultado de um efeito de permanência que o local tem causado nos turistas. “Esse turista que antes poderia passar por Campo Grande para poder ir pra algum ponto turístico como Bonito e Pantanal, hoje, ele fica pra poder conhecer o Bioparque”.
Ao observar o nosso entorno, não são só os turistas que estão animados com o passeio. Ao lado de entusiastas, prosseguimos o caminho e logo que chegamos no balcão de agendamento, recebemos uma pulseira laranja, que nos dá a permissão de iniciarmos a nossa última excursão. A estrutura é marcante já nos primeiros passos. O teto de vidro é alto, em formato de domo, e as costelas formadas de metal dão a impressão de sermos minúsculos, apenas um peixinho na vasta imensidão. A grandiosidade do local impressiona e os vibrantes tons de azul, vermelho e amarelo do andar, chamam atenção como um recife de corais.
Descendo para o próximo andar de escada rolante, se encontram vários espécimes de sementes, animais empalhados, uma coleção de insetos e uma exposição para deficientes visuais que conta com o toque para explorar tipos de fauna e flora diversos, todas as seções com um especialista designado para informar os visitantes. A parte inicial apresenta várias obras e animais regionais dispostos em um corredor com luzes e holofotes, que dão destaque e introduzem a cultura regional com alguns elementos.
Uma entrada leva a um vasto corredor iluminado apenas pelo reflexo dos enormes tanques de água. Eles contêm diversas espécies: peixes, arraias, axolotes, cobras, jacarés e até duas tartarugas em um espaço com abertura externa. Várias crianças se sentam em almofadas na frente dos aquários, que são enfeitados com corais e plantas coloridas atraindo o olhar de quem passa. Os tanques temáticos de cada continente também dão vida ao ambiente que tenta trazer a fauna de várias culturas à vida. Mais a frente, a parte que mais impressiona os visitantes nos espera. Entramos em um corredor transparente, onde as paredes e o teto são feitos de vidro, permitindo uma visão panorâmica de um ambiente aquático surpreendente. À medida que passamos pelo túnel, a sensação é de estar submerso, imerso em um mundo submarino onde os peixes acompanham os movimentos dos visitantes, criando a ilusão de todos nadarem juntos. Uma visão completamente destoante das memórias que se associavam com o Bioparque Pantanal.
A comparação e a curiosidade permeiam as linhas do novo e do velho Projétil. Quais promessas foram realizadas? Como o lugar rodeado de sonhos ilusórios, tornou-se um dos principais pontos turísticos da capital? As expectativas foram cumpridas? “Eu vejo que a gente foi até além”, nos responde a diretora.
As repórteres da edição 87 escrevem sobre a previsão de 24 tanques no ponto turístico. Na edição 100, podemos confirmar a presença de 269 tanques. O crescimento é notório. Maria Fernanda afirma que o alcance tido em menos de um ano de visitação, foi além do esperado. As 40 mil espécies já foram observadas por turistas de 91 países, “Se for considerar a quantidade total de países reconhecidos pela ONU, que são 163, nós já alcançamos 47%”, cita a diretora.
Ainda na estruturação dos planos para receber a população, era previsto receber apenas 300 pessoas por dia, mas antes mesmo que abrisse, as vagas aumentaram para 600, “Nós começamos com 600, ampliamos para 1000 pessoas por dia e hoje nós estamos recebendo 2000 pessoas”. Desde maio de 2023, as visitas passaram a acontecer de terça a sábado de manhã e à tarde, para melhor atender a demanda. Aos domingos e segundas o complexo permanece fechado para operações internas.
Já programando quando iremos voltar, nos despedimos do nosso city tour aqui, aguardando o dia que as próximas edições do Projétil voltarão a narrar o trajeto campo-grandense.
Frutos que amadurecem
Dois anos de pandemia antecedem a criação do que viria a ser a maior feira cultural de MS. Criada em agosto de 2022, a Feira do Bosque da Paz, no Carandá Bosque, surgiu da vontade de reviver o espaço público abandonado. A criadora, Karina Zamboni, viu em praças vazias a possibilidade de transformação, “A cultura, quando ela vem para a praça, se torna acessível a qualquer pessoa.
Qualquer um pode vir e passear na praça, é diferente de quando você faz uma feira num lugar privado, que você se sente acuado “. Realizada no terceiro domingo de cada mês, a Feira está apenas na 6ª edição, mas já abre caminhos para 586 expositores e cerca de 13 mil passantes.
Além dela, outras feiras se consolidaram em Campo Grande, como a Feira Bolívia, da Praça do Peixe, da Lagoa Itatiaia e Bosque Camburé. Porém, apesar das feiras não serem uma novidade, a expansão delas na capital aparece como algo diferente em razão do tamanho e da grande quantidade de público que passou a frequentar.
Como na edição 87 do Projétil, em que a reportagem “Frutos do abandono” abordou feirantes que ainda lutavam para conquistar espaços públicos. Para Karina, as feiras só obtiveram reconhecimento depois da crise sanitária. “Após a pandemia, muita gente perdeu o emprego e o poder público acabou sentindo a necessidade de colocar essas pessoas para trabalhar e ajudar todo mundo, daí a gente conseguiu o espaço”. Atualmente, nota-se um crescimento da oportunidade de promoção da cultura e valorização da produção artesanal, mas fica uma dúvida: até que ponto a cultura é acessível quando a maioria dessas feiras se concentra em bairros nobres?