As construções de amor e ódio instantâneos nas redes sociais entre público e influenciadores digitais
Texto: Ana Tortoza | Carlos Bastos | Caroline de Paula Sousa
Ilustração: MARINA COZTA

Influenciadores digitais são figuras públicas presentes nas redes sociais que sugerem e motivam seguidores – geralmente fiéis, engajados e em número expressivo – orientam decisões, consumo e comportamentos por meio de suas postagens. Ao promover diálogos cotidianos e vender padrões de estilo de vida, gostos e produtos, eles desempenham naqueles que os acompanham, autoridade, conhecimento, proximidade e inspiração.
Na era em que a internet reproduz de maneira potencializada comportamentos, pensamentos e escolhas práticas, o clima nas redes sociais tem se moldado de maneira expressiva em razão da decisão coletiva de exaltar e, ou, atacar usuários, em especial pessoas públicas. Essa cultura de julgamentos precoces advém da evolução das interações pessoais nos meios tecnológicos, através do acesso às redes sociais capazes de conectar indivíduos globalmente, modificando os modos de vida que, como apresentado pelo sociólogo Manuel Castells na obra “A sociedade em rede”, são estimulados por grupos de pessoas que transformam a economia, política, cultura e relações sociais.
De acordo com pesquisa da Digital 21 publicada em janeiro de 2021, 70,3% da população brasileira faz uso de alguma rede social no seu dia a dia, somando cerca de 150 milhões de usuários. A interação entre usuários é o principal atrativo delas, que é obtida pela criação e simulação de convívios entre grupos sociais que, na maioria das vezes, não necessitam de encontros presenciais ou relações mais profundas de reconhecimento e afeto, transferindo essas sensações também aos influenciadores digitais “que constroem aparentes relações afetivas self service”, ou seja, superficiais e rápidas, explica a professora e socióloga da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Maria Chaves Jardim, pesquisadora em socioanálise das emoções.
Ela ressalta que os laços sociais prevalecem nas relações, sendo a rede um espaço de manutenção e reprodução de comportamentos e sentimentos anteriores à sua existência. A rede, assim, não cria impulsos, sensações ou sentimentos, sendo “apenas uma ferramenta que reproduz códigos culturais que ganham certa efemeridade, sendo os fenômenos de ódio e amor constituídos e alimentados socialmente em qualquer dos meios” – sejam analógicos ou digitais, explica Jardim.
Para a jornalista e influenciadora digital sobre inclusão de pessoas com deficiência Sarah Santos de Jesus, 23, que soma 44,5 mil seguidores no Instagram e 243,5 mil no TikTok, há a construção de heroína atribuída a sua imagem pública pelos seguidores baseada no estereótipo de pessoas com deficiência. De acordo com dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, aproximadamente 25% dos brasileiros têm algum tipo de deficiência, somando 45 milhões de pessoas. Tais compreensões superficiais, no entanto, levam a comentários e interações que podem passar despercebidas no dia a dia, mas que são problemáticas e exigem diálogos para conscientização. “Vídeos meus fazendo coisas do dia a dia […] lavando louça, estudando, cozinhando, sempre viralizam e fazem as pessoas me colocarem na posição de heroína”, aponta. A jornalista ainda destaca que esse é o conteúdo que mais gosta de produzir, já que pode ajudar na normalização das atividades cotidianas realizadas por pessoas com deficiência.

Nas redes, e até fora delas, há a formação de ‘bolhas sociais’, ou seja, grupos compostos por pessoas que partilham valores, culturas, crenças, gostos e hábitos. Dentro desses grupos – ou bolhas – as páginas navegadas, mensagens trocadas, imagens curtidas e compartilhadas, direcionam os conteúdos que são ofertados diariamente. Essa retroalimentação constante limita o contato com o diferente, com o novo, já que os conteúdos e usuários só são considerados relevantes quando se encaixam em interações já existentes. As redes orientam esse tipo de relacionamento por meio dos algoritmos, que priorizam conteúdos similares àquilo que o público-alvo já consome.
“As redes não deveriam nos surpreender ou chocar. Elas reproduzem pensamentos e comportamentos socialmente construídos.” – Profª Maria Chaves Jardim
Segundo os pesquisadores Bruno Pellizzari e Irineu Barreto Júnior “com o crescimento da internet esse fenômeno [de bolhas sociais] se intensifica. Entretanto, têm-se o sentimento de que, antes, a convivência dos que pensavam diferente era menos endógena”. No estudo, publicado na Revista de Direito, Governança e Novas Tecnologias, os autores também sugerem que as redes apresentam sistematicamente o que os usuários já desejavam ler ou ouvir, reforçando conhecimentos, certezas, achismos e ideologias que não necessariamente estavam construídas com profundidade ou sequer foram confrontadas com teorias ou narrativas opostas. Desta forma, as ideias ali veiculadas são comumente consideradas verdades absolutas por parecerem sempre com o que já se pensava.
A construção da identificação entre seguidores e influencers
Contando hoje com cerca de 6 mil seguidores no Instagram, a influenciadora Ingrid Barbosa, 23, conta que começou a se dedicar à esta atividade com a intenção de passar uma mensagem de representatividade para pessoas que, assim como ela, possuem psoríase, doença crônica que causa lesões avermelhadas e descamativas na pele. “Acho incrível que o simples fato de conseguir fazer o que quero significa muito para quem deixa de viver por ter o mesmo problema de pele que eu”.

De acordo com pesquisa publicada pelo Datafolha em outubro de 2020, apenas 6% da população brasileira consegue identificar a psoríase, gerando preconceito e isolamento aos portadores. Segundo Ingrid, seu conteúdo e postura nas redes provocam mais debates sobre a doença, que acomete entre 1,10 e 1,50% dos brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia. De acordo com a influenciadora, a valorização de seu trabalho pelos seguidores “pode salvar e impulsionar muitas vidas caladas por falta de inspiração ou por repressão da sociedade, como ocorre com pessoas acometidas com a minha doença”.
O influenciador digital Henry Farias, que trabalha com o posicionamento de perfis e marcas nas redes sociais, conta com cerca de 4,7 mil seguidores no Instagram atualmente, avalia que é muito importante o influencer se posicionar em acontecimentos cotidianos e de impacto social. No início da campanha de vacinação contra a COVID-19 em Corumbá, cobrou posicionamento de outros influenciadores locais e empresas para incentivar a ação. “Eu ganhei muitos seguidores. Muitas pessoas vieram me parabenizar. Empresas da cidade também, que começaram a se levantar, a fazer promoções”. Porém, ele ressalta que não gosta da ideia das pessoas como referências de perfeição. “Eu não sou a favor da questão de levantar um herói. Mas eu sou a favor, sim, de pessoas que você pode se inspirar em atitudes, posicionamentos”.
As emoções que essas figuras públicas geram em seu público podem atingir camadas mais profundas de identificação, como no caso da Sarah. Sua mãe, que faz participações especiais em publicidades e stories nos perfis da filha, certo dia foi reconhecida em uma padaria por uma mãe acompanhada do filho. A criança apresentava deficiência semelhante à da influencer e pediu para conhecê-la pessoalmente. Ela acompanhava o trabalho de Sarah e se sentia representada, afinal, finalmente se via em posição de destaque. “Daí a gente sente que não estamos lá para que você passe horas do seu dia assistindo tudo o que fazemos. É uma forma de pautar comportamentos no seu dia. E se tudo isso pautar comportamentos para o bem, o meu papel foi concluído”.
Tribunal das redes e cultura do cancelamento
Nas redes sociais, diversos ataques são direcionados à influenciadores cotidianamente, disseminando ideias falsas e violentas que podem afetá-los psicologicamente, economicamente e até fisicamente. Isso vem sendo chamado de cultura do cancelamento, sendo caracterizada por um ambiente em que não há diálogo, apenas disseminação de ódio e ataques à reputação.
Ingrid Barbosa conta que já sofreu com críticas recebidas através das redes. De acordo com a influenciadora, as pessoas esperam que ela seja perfeita em tudo o que diz e faz por ocupar o lugar que ocupa, mas a realidade não é bem assim. “Se, por exemplo, gosto de tomar uma cerveja aos finais de semana, sou criticada por esperarem que eu tenha uma vida extremamente saudável e sem erros”, diz.
Henry Farias conta que já vivenciou diversos ataques em relação à sua sexualidade: “Quando eu abri isso [nas redes] e toquei nas causas, principalmente LGBTQIA+, fazendo postagens de conscientização, sofri ataques homofóbicos, comentários grotescos, ofensivos”. Afirma que se sente afetado pelas atitudes e que recebe mensagens privadas em relação a seu corpo, como “você precisa emagrecer”, “faça uma dieta” ou até “vai morrer!”. “Infelizmente essas pessoas acreditam que a internet é um mundo sem lei, que você pode fazer e falar o que quiser”. Ele também cita um vídeo de cunho político que postou no TikTok e obteve 1 milhão e 600 mil visualizações que levou a diversos comentários agressivos e ameaçadores simplesmente porque discordavam do seu posicionamento.

Em ataque sofrido em junho deste ano, Henry foi vítima da ação massiva de haters (pessoas que disseminam discursos de ódio nas redes) que levou seu perfil de trabalho, com mais de 30,1 mil seguidores a ser banido do Instagram. Quando conseguiu recuperá-lo, o alcance havia sido reduzido devido às diretrizes da plataforma. Então decidiu criar uma nova conta para recomeçar. Ele diz que não sabe mensurar o peso que todos os ataques acarretaram na sua vida. “Eu comecei há dois meses atrás um tratamento para crises de ansiedade e faço meditação. Precisei buscar ajuda médica porque passei por muitas coisas”. Henry, contudo, diz que não procura rebater: “Eu não vou perder meu tempo respondendo, brigando, porque não vale a pena. É um investimento emocional muito grande”.
Sarah Santos conta que em seu perfil profissional recebe grande quantidade de comentários negativos e emojis sarcásticos associados a discursos capacitistas. Observa que no TikTok esse problema é mais frequente, mas que gosta da rede e do alcance que oferece. Porém ressalta que a sensação de toxicidade e a repetição de um mesmo comentário negativo é maior nos vídeos que posta ali. “[…] Não sei, será que é uma concordância entre todos? Não sei porque todo mundo vai lá e faz o mesmo comentário seguido do outro”, diz. “A minha vontade de fazer esse trabalho, de conscientizar pessoas sobre inclusão, sobre deficiência, sempre falou muito mais alto do que o quanto eu me deixo levar ou não pelos comentários ruins”- completa.
Os usuários nas redes reproduzem também discursos capacitistas, discriminando pessoas com deficiência.
Segundo a professora Maria Jardim, nesses casos não se deve banalizar esses comportamentos, já que “o que prevalece são os laços sociais e construções que independem das redes. As manifestações de amor e ódio continuam enraizadas socialmente e só podem ser superadas ou ressignificadas dentro da sociedade”. Nesse sentido, é perigoso e superficial observar as manifestações extremas como insignificantes ou passageiras já que elas refletem a realidade social do nosso tempo. As redes sociais é uma ferramenta que nada cria sozinha, apenas “reproduz códigos culturais”, ganhando certas fragilidades na prática por ser humana, verdadeira e preocupante, explica a professora.

O significado das ações e discursos nas redes
A pesquisadora da Unesp sugere que devemos nos atentar aos comportamentos impregnados nas redes já que muitos deles carregam a cultura do amor romântico de maneira idealizada e problemática. Veiculam também mensagens com aparências construtivas, mas que carregam ódio, ciúme, inveja, posse e violências, geralmente direcionadas às figuras femininas e minorias. “Ou até o usuário pode carregar um discurso de militância e sensibilidade com povos minoritários e marginalizados só por ego e autopromoção”. É por isso que se faz importante analisar a prática da sociedade como um todo e não apenas os discursos já que estes podem esconder as reais intenções de quem comunica.
Todas essas sensações e sentimentos vivenciados também nos espaços virtuais, não produzem ‘amores líquidos’, ou seja, não são rápidos e superficiais como as velozes relações das redes, mas sentimentos profundos e antigos alimentados diariamente. Maria Jardim explica que, em função disso, toda reflexão sobre como os grupos se tratam e constituem, assim como expressam seus amores, ódios e inspirações, deve ser uma atividade na vida real que nos educa para a prática social nas redes.