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Reportagem 101

De copo em copo

Cada vez mais influenciado pelas redes sociais, consumo de bebidas alcoólicas na adolescência pode ser traumático

Texto: Isadora Colete | Júlia Nogueira | Keyla Santos | Mariana Pesquero
Edição: Júlia Nogueira | Fernanda Sá | Maria Gabriela Arcanjo


Ilustração: Milena Melo

Três jovens sozinhos em uma praça conhecida por abrigar usuários de drogas. Todos completamente bêbados, sem conseguir levantar do banco em que estavam sentados. A praça fica em frente à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Moreninhas, em Campo Grande (MS). Os funcionários da UPA nem chamam mais a Polícia Militar, pois o caso já se tornou comum – as viaturas pararam de atender aos chamados. Como eles têm menos de 18 anos, tampouco podem ser abordados sem a presença de um responsável, então ficam por ali mesmo. Mais um dia comum em uma sociedade que testemunha silenciosamente o crescimento do alcoolismo entre adolescentes.

O aumento do consumo de bebidas alcoólicas entre jovens de 14 a 17 anos está levando muitos a precisarem de ajuda médica. É o caso de João (nome fictício), que aos 16 anos frequentou uma festa open bar e sofreu um coma alcoólico. O jovem afirma que começou a beber por influência de seus amigos mais próximos. “Na primeira vez que bebi eu tinha 14 anos. Como sempre andei com pessoas mais velhas, praticamente todo mundo bebia e parecia legal, então foi mais por curiosidade”. De acordo com pesquisa de 2019 do Centro de Informações sobre Álcool e Saúde (CISA), 12,5 anos é a idade média que os adolescentes iniciam a ingestão de bebidas alcoólicas, sendo que 43,8% deles consomem em festas e 17,8% entre amigos.

Foto: Ariane Vilharva

Hoje, aos 18 anos, João confessa que foi a pior experiência com bebida que já teve. “Comecei a beber um, dois copos, e aí quando fui ver já estava passando mal, cambaleando. Fui ao banheiro, vomitei muito, e quando voltei me senti mole e apagou tudo”. Ele morava no interior do estado, e estava na capital sob os cuidados de uma amiga que o levou ao hospital, onde passou parte da noite em observação médica.

Os pais devem ser os primeiros a apresentar o álcool para seus filhos? Existe uma hora certa para começar a beber? Como educar os jovens para que consumam de forma consciente? O que os leva a esse hábito tão cedo?
A internet pode ser um palco para instigar crianças e adolescentes ao consumo de álcool. Em 2018, pesquisadores da Universidade de Bergen conduziram um estudo que avaliou o envolvimento de 11.236 estudantes universitários em postagens sobre bebidas alcoólicas. Os resultados revelaram que 96,7% deles tinham sido expostos e em 81% dos casos a mensagem era favorável ao álcool, enquanto apenas 40% tinham teor negativo.

Um dos casos que chamou a atenção foi o da influenciadora digital e tiktoker Belle Belinha, de 17 anos. A adolescente viralizou aos 15 anos ao postar vídeos saindo para festas e aglomerações no bairro da Liberdade (SP), em 2021. A mãe da influencer chegou a ser investigada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), após um vídeo postado na plataforma em que ela oferecia bebida alcoólica para uma criança. O MPSP afirmou que o conteúdo incentivava crianças e adolescentes a consumir bebida alcoólica, a ter comportamentos obscenos e frequentar casas noturnas desacompanhados dos responsáveis.

O psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Kleber Vargas, explica que o fácil acesso às bebidas alcoólicas é um dos motivos para o alto consumo nessa faixa etária. “Existem algumas teorias que tentam explicar porque os jovens atualmente têm consumido bebida alcoólica cada vez mais cedo. Muito provavelmente é uma cultura que existe no país, onde há uma propaganda forte que faz com que os jovens associem diversão ao consumo de bebida alcoólica”.

O médico esclarece que não existe hora certa para iniciar a ingestão de álcool, o ideal seria não beber. Contudo, por mais que toda situação deva ser individualizada, quanto mais tarde se inicia o consumo, menos prejudicial ele será. “Depois dos 21 anos seria um período menos arriscado porque após essa idade a maior parte do Sistema Nervoso Central está formada, então haveria menos consequências pelo consumo da bebida alcoólica, mas isso não é uma regra”