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Opinião 94

Desafios nas práticas jornalísticas

Texto: Mário Fernandes (coordenador do curso de Jornalismo/UFMS)


A pandemia pela Covid-19 impôs inúmeros e profundos desafios para todas as áreas das atividades humanas, sejam políticas, econômicas, sociais, culturais ou psicológicas. Com o ensino superior não seria diferente. Em tais circunstâncias, escolhas tornaram-se imperativas. No caso da UFMS, a opção foi pelo ensino remoto.

Conforme amplamente noticiado pela imprensa, mais de 80% das universidades federais do país decidiram pela suspensão total das aulas, sem atividades a distância. Entre as principais justificativas estão: a falta de acesso de parcela dos alunos a computadores e internet; abalo emocional e as dificuldades econômicas enfrentadas pelas famílias de muitos destes discentes. 

A UFMS encarou o desafio e seguiu adiante, em um estado onde expressiva parcela da população não dispõe de computador e/ou internet e grande parte dos discentes são de família de baixa renda, o que dificulta a aquisição de equipamentos e até mesmo a manutenção dessas famílias neste período. Dados divulgados em 2019 indicam que mais de 70% dos alunos da UFMS apresentam perfil econômico de até um salário mínimo e meio e 67% deles vêm de escolas públicas. Editais emergenciais tentam minimizar as dificuldades, que por serem grandes e históricas, no entanto, são pouco afetadas por ações pontuais.

A formação universitária está articulada entre o desenvolvimento de habilidades do intelecto e competências técnico-instrumentais. Junção entre teoria e prática. Quando há perda em uma dessas duas essências, perde-se em qualidade do ensino. Não por acaso, a mesma portaria ministerial que estipulou o ensino remoto para as universidades também vetou a substituição das atividades práticas nos cursos de Medicina, por atividades a distância. Naturalmente, a medicina tem toda uma visibilidade pelo fato de tratar de vidas humanas. 

Ilustração: Gabriel Brito

Mas a falta das atividades instrumentais não afeta apenas a medicina. Dos cursos de Pedagogia aos das Engenharias, dos de Filosofia aos de Zootecnia, todos os futuros profissionais perdem com a falta de vivência e experimentação das atividades laboratoriais e instrumentais. Por conta do ensino remoto, os professores tiveram que buscar outros caminhos para adaptar ou substituir as atividades práticas e laboratoriais, já que não havia e ainda não há, por medida de segurança, como colocar os alunos em laboratórios, em estágios nas empresas, nas ruas, em contato com as pessoas ou mesmo nas salas de aula das instituições onde buscam a extensão para seu aperfeiçoamento profissional. Essa é uma lacuna difícil de ser recuperada.

Neste contexto, os docentes precisaram construir alternativas para contemplar a falta dessa prática instrumental. Ainda não terminamos o semestre, mas algumas iniciativas criativas começam a surgir e alguns bons trabalhos também. A publicação desta edição do Projétil é um bom exemplo. Porém, o contato presencial com as fontes, a pesquisa de campo, o manuseio correto do microfone no estúdio de rádio, a empostação de voz, o processo de edição, a apuração refinada dos fatos, a postura correta diante da câmera, entre tantos outros elementos que fazem a diferença para o bom jornalismo, não foram exercitados dentro das expectativas dos próprios alunos. Um sintoma desse quadro é o índice dos que solicitaram a suspensão de matrículas, principalmente, das disciplinas práticas, pois não dispõem de determinados softwares ou outros equipamentos para desenvolver as atividades. Preferiram esperar o momento mais adequado para voltar ao aprendizado com a necessária instrumentalização desenvolvida juntamente com o professor. 

Mas essa limitação não é referente só às disciplinas práticas. Conforme o relatado pelos professores, parte dos alunos também veem apresentando dificuldades nas chamadas disciplinas teóricas. Associada a isso, há também a falta de motivação de muitos discentes. Estes são mais alguns desafios para os quais os docentes têm buscado novos caminhos. O ensino remoto requer planejamento e preparação tanto por parte dos docentes quanto dos discentes; material didático de apoio, sistemas de avaliação e de presença apropriados, dinâmica de aula diferenciada, entre vários outros componentes, e essa é uma estrutura que leva certo tempo para ser construída.