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Reportagem Fotográfica

Diário de Bordo

Em meio a greve dos servidores das universidades, a equipe do Projétil viaja até Brasília para cobrir a Marcha dos Trabalhadores


Faixas e cartazes exibidos na Marcha da Classe Trabalhadora | Foto: Pietra Dorneles

Dia da viagem. 21 de maio de 2024. Com destino à Marcha dos Trabalhadores em Brasília, a equipe composta por seis alunos e alunas do Projétil foi preparada para cobrir o movimento, à convite da Associação de Docentes da UFMS (Adufms). Junto às mochilas com salgadinhos, remédios de enjoo e distrações para a jornada de quase vinte horas de ônibus, foram também um tripé, câmeras profissionais e cópias impressas da edição 101 do jornal laboratório.

A partida foi ao meio-dia e as primeiras horas foram tranquilas. O clima continuou calmo até que os alunos e docentes de Três Lagoas e Paranaíba se juntaram ao grupo. Os novatos trouxeram com eles garrafas de vinho e uma caixa de som. Na playlist, funks e raps com teor político. “Revolucionários do Brasil, fogo no pavio! Vamo libertar nosso povão com pão, trabalho, terra e fuzil”, entoava o equipamento. Com mais gente a bordo, os ânimos ascenderam. Não é coincidência que no interior o cenário da greve pareça mais agitado que na capital.

Por volta das 19h, uma parada para o jantar. O cardápio embalado, vindo de Campo Grande, não poderia ser mais clichê: pão com mortadela. Suco, refrigerante e cachorro quente também foram servidos enquanto alunas, alunos, professoras e professores se entrosavam. Mariuza Guimarães, presidenta da Adufms, diz que por conta da greve mais docentes estão se sindicalizando, apesar de não saber de cabeça os dados oficiais de filiados. A professora Kaelly Saraiva, do curso de medicina em Três Lagoas, se gabou de sua força de persuasão. “Eu já filiei três [docentes]”. Ao que Mariuza respondeu rindo. “Eu filei um”. Este parece ser um retrato da força do movimento sindical hoje, ou da falta dela. De acordo com a Adufms, o sindicato ganhou 19 filiados, mas perdeu seis entre junho e julho de 2024.

Do meio da noite até o começo da madrugada, enquanto os docentes dormiam nos bancos da frente, o clima de camaradagem entre os alunos do fundo aumentava. As conversas eram sobre a vida, sobre o movimento estudantil, as perspectivas políticas e, é claro, a greve. “Esse governo foi eleito para a gente fazer greve, porque agora a gente consegue sentar e conversar”, declarou um deles.

Dia da chegada em Brasília. 22 de maio de 2024. Do estacionamento (local onde a Marcha da Classe Trabalhadora se concentrou a partir das 8h da manhã), entre a Torre de TV e a Fundação Nacional de Artes (Funarte), até o Congresso Nacional, a caminhada foi longa. Foram cerca de 3,5 km percorridos por 20 mil pessoas, enfileiradas ao lado esquerdo da Via S1 do Eixo Monumental, gritando, com faixas e cartazes. Ali, além dos profissionais da educação, marchavam brasileiros de vários estados e categorias. O cenário muito lembrava a música de Geraldo Vandré. “Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais, braços dados ou não”.

“A nossa luta é todo dia, educação não é mercadoria”. As palavras de ordem acompanharam os manifestantes que caminhavam sob o sol escaldante do início da tarde e o vento potente de Brasília.

Trabalhadores dos Correios, estatal na mira das privatizações há alguns anos, também estiveram presentes. Um trio elétrico levava um boneco inflável que simbolizava um trabalhador da empresa, destacado em meio à multidão. Encorajadas pelo espírito jornalista, três das estudantes da UFMS subiram no carro de som em movimento para fotografar o ato.

No palanque, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Márcio Macedo, dizia que Lula está tentando, mas que ainda há muito a fazer. Fez discurso ufanista à Lula e foi aplaudido. Logo nos questionamos: a manifestação é para que? Apesar do esforço dos ministros do governo federal presentes em enaltecer os feitos do Poder Executivo, uma parte considerável dos manifestantes não engoliu a defesa e continuaram cobrando atitudes do presidente da república, afinal, seu discurso sempre foi voltado à classe trabalhadora. Agora, mais do que nunca, era a hora de agir. Frases como “Lula, assuma as negociações!”, “a greve continua, Lula a culpa é sua” e “presidente Lula, deixa de B.O., quem te elegeu foi o trabalhador”, estavam nos cartazes ou nos gritos.

De cima de uma das pontes do Eixo Monumental, a imagem parecia cena de TV, uma multidão, protegida pela polícia, ocupando a faixa esquerda da pista, às vezes ameaçada pelos motoristas. As categorias andavam juntas uma por uma, reunidas por objetivos similares.

A maioria usava camisetas de sindicatos e entidades de classe, carregando placas e bandeiras com frases de protesto. Tinha de idoso a criança, gente que lutava, gritava e gente que só acompanhava. Falas no palco, interações das mais calorosas até as mais ácidas, expressões raivosas, contentes e até entediadas. Lanches distribuídos ou vendidos. Tudo foi capturado para tornar nosso relato o mais fiel e realista possível. Um registro incansável, em um revezamento de pelo menos quatro pessoas e duas câmeras. Infelizmente, antes do fim do dia, a memória dos equipamentos já pedia uma trégua. “Armazenamento cheio” era a mensagem nas telas.

Após muito sol no rosto e gritos de luta, a Marcha dos Trabalhadores tinha como ponto de encontro final a Praça dos Três Poderes, onde um carro de som aguardava os manifestantes. Os trabalhadores, em frente ao Palácio do Planalto, gritavam suas demandas e exigiam negociações. Já no Ministério da Educação (MEC), os manifestantes que pegaram senhas distribuídas pela Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes), recebiam uma marmita farta para o almoço. Arroz, feijão, repolho, carne de panela e bife de frango.

A viagem bate e volta estava perto de seu fim. Antes de retornar ao ônibus, precisávamos usar o banheiro. A Esplanada dos Ministérios é composta por 19 edifícios, com mais de oito andares e inúmeros anexos. Primeiro, o segurança nos disse para ir ao próximo Ministério, mas no fim, em dia de ato, a utilização do banheiro não é permitida pelos manifestantes. Entre os discentes do ônibus, alguns se dispersaram pela Esplanada, para conhecer o local. Boa parte estava sentada ou deitada na calçada em frente ao MEC, aguardando ansiosos pela volta para casa.

Caravana da Adufms na Marcha da Classe Trabalhadora | Foto: Ana Beatriz Leal

Dia do retorno. 22 de maio de 2024. Quando embarcamos de volta para Campo Grande, às 16h, marmitas foram novamente entregues pela Andes. Só paramos para comer após às 20h. Tudo parecia estar indo bem, até que, por volta das 22h, o jantar caiu mal. O palpite era que a comida tinha estragado porque foi consumida muito tarde. De volta à sede da Adufms, já no dia 23, a equipe de jornalistas em formação, metade saudável, metade ainda indisposta, se despediu.

Talvez, pela narrativa descritiva, você fique deslumbrado com a Marcha. Para seis estudantes de graduação do interior do país, ela realmente impressionou. No entanto, nada grandioso nas manchetes dos jornais, nem figuras importantes notando o movimento, praticamente nenhuma menção. Não se engane: ela foi só mais uma de muitas. Para quem acompanhava a passeata, duas opiniões se destacaram: “como é bonito quando a esquerda se organiza”, disse um estudante, e “eu esperava mais”, disseram outros.