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Reportagem 94

Do real ao virtual

Resultado das tecnologias digitais, as comunidades de jogos online aumentaram as possibilidades de interação entre usuários.

Texto: Alicia Miyashiro, Maria Luiza Barbosa e Natália Pereira


Fãs de jogos eletrônicos de todas as idades passam horas em frente aos computadores, consoles e celulares. Em boa parte, esse movimento é estimulado por uma infinidade de comunidades virtuais, que proporcionaram uma transformação completa na experiência de competição entre amigos ao facilitar a interação entre usuários do mundo todo. É a reunião desses diversos grupos que deram origem ao que hoje é conhecido como ‘comunidade de jogos online’, consolidada a partir dos primeiros anos do século 21, quando a internet banda larga se dissemina no Brasil e torna possível a prática de jogos online de modo massivo.

Jovem jogando League of Legendes em uma Lan House
Foto: Vinicius dos Reis

O que demarca uma diferença grande da década de 1980, quando foram lançados os primeiros jogos comerciais. Naquela época, a conexão entre os computadores era realizada por meio de um aparelho chamado ‘modem’, que faziam os sinais de internet trafegarem através de linha telefônica comum. A conexão era lenta e instável, sendo possível jogar somente com um adversário, que deveria ser alguém conhecido e de cidades mais próximas, para não pagar caro pela conta telefônica.

As plataformas virtuais surgiram para ajudar novos usuários a conhecerem mais sobre os jogos, por meio do compartilhamento de informações. Pilar dessas comunidades, os fóruns são utilizados para postar artes de fãs, críticas ou sugestões, discutir sobre as novidades, tirar dúvidas e comentar assuntos relacionados a um jogo específico.O estudante de Engenharia Física, Rodrigo Garcia, 18, conta ter participado de alguns fóruns relacionados ao League of Legends (LoL) quando começou a jogar. E diz que na plataforma todos podem publicar e comentar o que tiverem vontade, seja para ajudar ou até mesmo xingar. Mas, conforme as regras do Fórum, as mensagens que ultrapassarem os limites do bom senso são apagadas, e, caso persista na violação, a pessoa terá a conta banida.

Rodrigo deixou de usar o espaço por não concordar com a forma atual. Para o estudante, a plataforma vem se tornando, cada vez mais, palco para cenas de ‘piadas’ dos usuários, quando deveria ser levada mais a sério.

De acordo com pesquisa realizada em 2017 pelo Youtube Insights, 56 milhões de brasileiros consomem conteúdo de games na plataforma de vídeos do Google, o que o torna outro suporte das comunidades online. Ali os jogadores mais experientes têm a chance de publicar vídeos de partidas, explicações, dicas, comentários e até mesmo paródias relacionadas ao assunto.

Pelo fato do Youtube ser um ambiente onde são explorados diversos assuntos e temas, alguns usuários procuram algo mais restrito ao mundo dos jogos. Como o Rodrigo que escolhe participar de outra plataforma, a Twitch. Nela, o estudante não só produz lives, ensinando novos jogadores a se incluírem nesse universo, mas também é espectador do conteúdo de outros usuários. Lançado em junho de 2011, a Twitch tem como foco principal a transmissão de partidas digitais e competições de “e-sports” – torneios organizados de jogos eletrônicos – que por vezes são ao vivo e com a interação do público por chat.

 A plataforma proíbe certas condutas como:  compartilhar conteúdos com nudez, violência, comportamento tóxico e discursos de ódio. No Brasil, alguns usuários populares já foram punidos por contrariar esses regulamentos, como Felipe ‘YoDa’ Noronha e Rafael ‘Rakin’ Knittel, que em 17 de abril de 2020 foram suspensos por sete dias após usarem a palavra ‘mongoloide’ quando jogavam com amigos durante uma transmissão online.

 Alguns jogos permitem que sejam criados grupos de comunicação, conhecidos por ‘salas’; outros fazem que essa ferramenta seja utilizada por todos os integrantes do time. Existem usuários que preferem formar equipes com amigos e, por vezes, preferem usar um aplicativo à parte, chamado Discord. Nele, um grupo específico pode interagir por meio de chat, chamadas de voz e vídeo, de forma que não atrapalhe a partida e nenhum ‘estranho’ entre na chamada.

O estudante Jonatan Rodrigues, 27, relata o quão difícil é a comunicação dentro das salas com pessoas desconhecidas, e por essa razão prefere jogar com um time formado apenas por amigos, para que obtenham um melhor diálogo e o sucesso na disputa. “Se você entra aleatório, acaba caindo em um time onde já tem pessoas juntas, então você não tem a comunicação que eles têm, não tem como conversar com eles da mesma forma dentro do jogo”.

O levantamento realizado pela Revista Aplausos em 2016 aponta que 40% dos jogadores optam pela plataforma online. Em 2019, o aplicativo Overwolf revelou que League of Legends era o jogo online mais popular do mundo para computadores, seguido pelo Counter Strike. Entre os games para celular, o Free Fire conquistou o primeiro lugar.

Dentre as opções a jovem opta por jogar no celular
Foto: Vinicius dos Reis

Há cerca de um ano o LoL alcançou a marca de 8 milhões de jogadores por dia, segundo a Riot Games, empresa que o produz. A arena de batalha online conta com diversos modos de jogo disponíveis, cada um com objetivos e mapas diferentes. O principal e mais popular se chama Summoner’ Rift, onde a batalha acontece em um mapa espelhado de forma diagonal, com as bases dos times localizadas em pontas opostas. Cada membro da equipe possui sua função e posicionamento, tendo como objetivo, avançar no mapa, e destruir o exército e bases adversárias. Por isso a comunicação durante uma partida é fundamental para a vitória do time.Considerado o mais popular entre os games online de tiro em primeira pessoa, o Counter Strike (CS), foi desenvolvido por Minh Lee e Jess Cliffe e lançado em 1999, sendo adquirido depois pela Valve Corporation. O Free Fire pertence à mesma modalidade, porém, é disponível apenas para celulares/tablets IOS e Android. De acordo com sua publicadora, Garena, em 2019 havia cerca de 450 milhões de contas registradas e 50 milhões de jogadores ativos por dia.

Além das telas

Esses espaços também possibilitam que os participantes criem laços de amizade. Ao longo desses sete anos Rodrigo fez diversos amigos dentro da comunidade de jogos e participa de grupos com eles em várias redes sociais.

“Quando eu comecei a faculdade, ano passado, eu tinha um time formado por dois da Bahia, um do Rio de Janeiro, outro de São Paulo, um do Rio Grande do Sul e eu do Mato Grosso do Sul. Essa barreira territorial nunca atrapalhou a gente. Nós temos o grupo até hoje. Não é mais tão ativo porque o grupo acabou brigando, mas a gente tem grupos no Whatsapp, Facebook, em várias plataformas”, conta.

Diferente de Rodrigo, Jonatan explica que o jogo pode servir também para juntar velhos amigos. Ele e os colegas moram em cidades diferentes e acharam no CS, além de entretenimento, uma forma de aproximá-los apesar da distância. O jogo é um dos responsáveis pela popularização das Lan Houses em todo o mundo, impulsionando o nascimento dos ‘e-sports’.

Os irmãos Samuel, 9, e Nicolas Barbosa, 11, afirmam que apesar de toda competitividade envolvida, jogam apenas por diversão e por isso preferem sempre atuar juntos, tanto no CS quanto no Free Fire. Revelam também que já participaram de diversas partidas com pessoas desconhecidas do Brasil todo, mas normalmente optam pelos amigos, por estarem na mesma faixa etária que eles.

O Free Fire pode ser jogado ‘solo’ (sozinho), ‘duo’ (em dois) e ‘squad’ (equipe de quatro). Dentre os diversos modos, no principal 50 jogadores são colocados em uma ilha e a partir disso precisam encontrar armas e equipamentos para conseguir sobreviver e eliminar os inimigos. O vencedor é o último jogador ou grupo a ficar vivo.O barbeiro Leandro Gimenez, 18, destaca a importância que enxerga em participar de grupos ou comunidades de, tendo em vista que a comunicação é a chave principal para o sucesso da partida. “Posso falar pelo Free Fire. Lá dentro é tudo muito compartilhado, já que o pessoal divide as experiências da mesma plataforma, e ajuda a manusear. Fora isso tem as dicas que a galera dá. Acho que eu não conseguiria ter a mesma experiência fora da comunidade e nem saber tanta coisa sobre o jogo”.

Estudante de engenharia de software, Marcelo Alvarenga, 21, compartilha das ideias de Leandro. Seu interesse na comunidade vai muito além de ser apenas um jogador que troca experiências e conteúdo. O jovem tem como objetivo trabalhar na criação de jogos online desde criança e por isso integrar a comunidade é uma forma de estudar os avanços tecnológicos.

“Primeiro que além de participar de comunidades ‘gamers’, é sempre bom ficar de olho no que vai atualizar, no que vai mudar nele na próxima semana. Porque essa é a graça de participar dos jogos online: é que nunca é a mesma coisa. Sempre tem mudanças e é bom ficar ligado nessas mudanças para continuar melhorando, e conseguir acompanhar”, explica Marcelo.

Machismo e discriminação

Uma pesquisa realizada pela Games Brasil em 2019 constatou que cerca de 53% dos 3 mil usuários entrevistados eram do gênero feminino. Mas apesar de ser maioria, elas sofrem constantemente com abusos e assédios, principalmente nos jogos online.

Este é o caso relatado pela estudante de Design, Luiza Vaz, 18, que conta o quão tóxico e, muitas vezes, machista ele pode ser. Ela não imaginava os obstáculos que enfrentaria ao praticar um de seus passatempos favoritos, desde de quando era criança, e não esperava que o preconceito surgiria pelo simples fato de ser uma menina. De xingamentos ao assédio, ela diz que chegou ao ponto de parar com os jogos por quase seis meses. Por isso, procura sempre esconder sua identidade com medo da ação dos jogadores do gênero masculino, que em muitos casos agregam o fato dela ser mulher com o de jogar ‘mal’. “Normalmente, é assim no LoL e no CS: se você joga mal, você é criticada por ser uma menina. E se você joga bem, acaba sendo assediada”.

O mesmo acontece com a estudante de Direito, Fernanda Konno, 21, que prefere esconder seu gênero durante as partidas. Ela reafirma o que Luíza relata. “Os caras enchem o saco. É bem incômodo e muito machista. Mas a minha solução pra não me estressar com isso é que quando vou falar alguma coisa, eu falo no masculino e aí eu me poupo. Mas é errado, entendeu? Porém é a única solução, porque é muito tóxico e eu sempre fico estressada por passar por esse tipo de situação jogando”.  Apesar disso, o amor pelo jogo ainda faz Fernanda continuar no LoL todos os dias.