Dois professores e dois estudantes da UFMS expõem opiniões contrárias sobre a greve da educação, cada um a partir do seu ponto de vista
Entrevistas: Fernanda Sá | Glenda Rodrigues | Maria Gabriela Arcanjo | Murilo Medeiros
Ilustrações: Milena Melo
Na greve, posicionar-se é uma necessidade. “Professora, você vai aderir?”, “Vai à Assembleia?”, “Como pretende votar?”, “Você é a favor ou contra o movimento?”. Todas essas questões são repetidas pelos corredores da Universidade. Porém, é necessário pontuar que, por mais que a greve seja coletiva, aderir é uma decisão individual. Para ajudar o leitor a formar as suas opiniões e ponderar os dois lados, o Projétil entrevistou dois professores e dois estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), um contrário, um favorável, cada um expondo argumentos a partir das suas vivências na greve.

Projétil: Por que você é contra a greve?
Rubens Silvestrini: Porque eu vejo que essa greve não prioriza alguns pontos, ela não tem uma pauta bem definida. Na realidade, é uma busca por reposição salarial, nós tivemos muitas perdas, eu concordo, acredito que tivemos em torno de 35 a 40% de perda do nosso salário nos últimos 15 anos.
Projétil: Por que você é a favor da greve?
Kaelly Virgínia: A greve é o mecanismo que nós temos de grande impacto para fazer valer nossos direitos por melhores salários, condições de trabalho e políticas de educação justas e amplas. Não é só para melhorar o ganho salarial dos professores, é para garantir que o orçamento das universidades seja aumentado. Isso vai repercutir em mais bolsas, qualidade da infraestrutura, contratação de técnicos e professores, melhores laboratórios. A greve é um instrumento que a gente tem, como trabalhador, historicamente legítimo, para enfrentar esse sistema, que é extremamente capitalista, privilegia o lucro e o poder de quem tem mais dinheiro. Que nesse caso não é só o governo, é também a elite econômica que o controla.
P: Qual é a sua opinião sobre as reivindicações?
RS: Eu entendo que elas possam ser válidas. Porém, o Governo Federal já apontou que não existe no orçamento para este ano condições de fazer alguma reposição, ou seja, nos dar algum aumento. Então, independente da [vontade] do governo federal, ele não pode ir contra a lei de responsabilidade fiscal. Eu acho que o movimento grevista esbarrou na capacidade do governo de poder nos dar aumento esse ano. Então eu acho que nós estamos enxugando gelo. A gente só teve perdas salariais a partir daquilo [greve de 2014], sem nenhuma recomposição salarial. Ou seja, chega uma hora que você tem que fazer um acordo, nem que não seja o melhor acordo do mundo. E o nosso sindicato nacional simplesmente foi irredutível em uma greve grande que nós tivemos [em 2014], e a gente ficou na época com 22% de defasagem de reposição.
KV: Quem vê de fora acha que é muito simples, mas não. Temos três categorias de reivindicação. Vamos começar pela mais básica, que é a melhoria de salários, recomposição pela inflação e pelo ganho que nós deveríamos ter a cada ano, como a lei preconiza. Segundo, melhorar o orçamento das universidades e a qualidade do ensino através de mais suporte econômico, melhores bibliotecas, mais livros, mais bolsas. Não são só as universidades, são os institutos e o Centro Federal de Educação Tecnológica também. E o terceiro aspecto é a consolidação de uma política pública de educação melhor, com o que a gente chama de revogaço de todas essas resoluções que vêm desde o governo Temer, que prejudicam o bom andamento da educação no país. Cerceiam o trabalho e perseguem professores, diminuem nossa liberdade de cátedra. A gente quer derrubar todo esse histórico neoliberal, com mudanças na legislação para que possamos estar em um espaço acadêmico verdadeiramente público e de qualidade.
P: Você participa das assembleias e discussões sobre a greve?
RS: As assembleias que foram online eu procurei assistir, ver os debates. Não me senti confortável porque eu acho que eles misturaram muito as questões políticas e se esqueceram de pensar na melhoria do ensino, nas verbas para as pesquisas, e eu vi que era uma questão extremamente política, do meu ponto de vista.
KV: Sim. As assembleias estão sendo bastante vigorosas, dão ânimo para a greve permanecer. Poder estar com os seus pares coletivamente decidindo se aceita determinada proposta ou não é um exercício muito forte da democracia. Porém, enfrentamos um problema na maioria das universidades. Há muitos docentes, e até técnicos, que aderem ideologicamente ao direito de greve, mas na hora de estar na mobilização, se eximem. Não participam ou não participam muito, isso dá uma sensação de que o movimento não está tão forte. A mobilização é vital para que o movimento cresça e se mantenha.
P: O que você pensa da postura de quem é a favor?
RS: Eu acho que é livre. O maior problema que eu vejo entre pessoas que aderiram e pessoas que não aderiram [à greve] é que isso vai recair sobre os alunos. Eu fico com muita dó dos alunos, principalmente aqueles que estão se formando, aqueles que moram fora de Campo Grande, suas famílias. Vai atrapalhar o calendário futuramente, reposição de aulas… Me preocupo muito com os alunos, com os bolsistas, e eu fico deveras preocupado com o que vai acontecer daqui para frente. Porque eu tenho colegas, amigos, que estão em greve há praticamente dois meses. Mesmo com o calendário acadêmico não sendo suspenso, eu imagino que vai atrapalhar a vida de muitos alunos.
P: O que você pensa da postura de quem é contra?
KV: Não podemos ter a arrogância de achar que só a gente está certo, que só a nossa posição é a melhor e que aquele professor, aquele técnico, que não adere à greve é um ignorante, um alienado, um apolítico. Ele tem uma percepção diferente da nossa, uma história de vida diferente, que não permitiu que ele percebesse o que a gente percebe. E faz parte da nossa responsabilidade sindical e política tentar construir junto com essa pessoa uma nova mentalidade, de que ela é importante nesse jogo e pode ter uma atuação ativa. No final das contas, quando a gente consegue ganhar, todo mundo divide esse ganho. Eles também vão perceber que foi importante quando virem no contracheque o salário, por exemplo, aumentado.
P: A greve é uma demonstração de insatisfação com o governo federal?
RS: Eu penso que as instituições que defendem os professores tinham uma pauta inicial, mas eu percebo que agora se tornou não só uma questão de melhoria de ensino, não só uma questão de reposição salarial, mas uma questão política também. E eu acho que não é o momento para se discutir a política. Eu acho que nós temos muitos problemas, a UFMS é uma universidade grande para o estado. Ela tem vários campus. Eu imagino que nesse momento a greve acaba provocando problemas até na transição para a futura reitora, então eu não vejo com bons olhos essa paralisação.
KV: Existe uma insatisfação, sim, de dizer ‘poxa, é um governo dos trabalhadores, que sempre respeitou as universidades e por que agora esse governo não nos dá o que estamos pedindo?’. Porém, eu vejo que muitos professores entendem o outro lado, que o fascismo ainda está muito forte no país. A gente tem um centrão coordenando a política no Legislativo. A gente tem um governo que não é 100% de esquerda, é de centro muito débil, que não consegue colocar a pauta dos trabalhadores realmente. Porque fez uma conjunção muito forte com outros partidos da direita, que não têm como prioridade os trabalhadores e a educação. Então, acho que a gente está muito dividido, existem professores que compreendem e professores que estão revoltados.

Projétil: Por que você é contra a greve?
Iran Augusto: Acho que quem vai sair mais prejudicado são os alunos, por conta das disciplinas trancadas e da eventual reposição dessas aulas no período das férias. E o atraso do curso em si.
Projétil: Por que você é a favor da greve?
Franciellen Francese: A primeira função e reivindicação dessa greve é revisar o orçamento. Quando lutamos por uma restituição orçamentária, estamos lutando para que mais dinheiro venha para a Universidade. E isso significa mais bolsas, projetos, e abertura para novos cursos. Melhorar a qualidade do estudante aqui dentro. Porque a gente entra no banheiro e não tem papel, a gente tem um Restaurante Universitário (R.U.) precário…
P: Qual é a sua opinião sobre as reivindicações?
IA: Fazem sentido, super apoio. Os professores, os técnicos, apoio eles totalmente, porque têm direito e nada mais [justo] que o governo cumprir com a palavra. Acho que deve ter uma proposta que havia sido feita há anos e isso não foi cumprido. Então, tem que existir alguma forma que o governo perceba que eles não foram atendidos ou não cumpriram com o combinado.
FF: A questão orçamentária [é a principal], porque para quem não sabe, a gente ainda recebe a mesma quantidade [de verbas] que 2015 ou 2016. E, naquela época, era um número bem menor de estudantes. Ou seja, estamos lidando com mais estudantes, com um dinheiro que na verdade seria para um número bem menor. Eu acho que essa pauta é muito importante e é pela qual essa greve é necessária.
P: Você participa das assembleias e discussões sobre a greve?
IA: Não estou participando ativamente, mas estou em um grupo de WhatsApp que compõe os centros acadêmicos e o posicionamento deles. No momento, a gente [Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica] fez um formulário. Estamos levantando quantitativamente [a opinião] dos alunos e professores. Uma coisa mais simples, prática e objetiva, porque o pessoal é bem corrido, tem pessoas que trabalham. Acreditamos que, se fizesse assembleia, não teria tanto retorno e participação.
FF: Participo e acho que é importante para que todo mundo saiba o que está acontecendo. Se você é a favor ou contra, você tem que se posicionar. Enquanto estudante, enquanto universitário, a gente precisa ter uma posição política e entender tudo o que está acontecendo.
P: O que você pensa da postura de quem é a favor?
IA: É uma postura ok, tudo bem. Só que tem professores que aderiram a greve e continuam ajudando os alunos, dando informações de como está indo, como vai decorrer a disciplina… E quanto aos professores que não aderiram, eles estão criticando quem aderiu ou não. Isso meio que se torna um embate e não tem para onde correr. Por isso que geralmente quem sai mais prejudicado são os alunos. Os que aderiram estão no direito deles.
P: O que você pensa da postura de quem é contra?
FF: Eu acho que eles têm o direito de se posicionar contra, mas eu também acho que eles não podem atrapalhar. Cada um tem o seu direito de voto, a sua intenção, sua visão política. Mas não atrapalhem o restante.
P: A greve é uma demonstração de insatisfação com o governo federal?
IA: O governo federal como um todo, acredito que isso. É uma coisa bem complexa, não é tão simples como só aumentar o salário. Até porque tem outras reivindicações que os técnicos e professores vêm abordando e querem por direito.
FF: A gente [que votou a favor do presidente Lula] achava que as posturas seriam diferentes. Mas não temos ficado tão felizes. Eu acredito que essa greve tem muitos pontos… A gente esperava que eles [o governo] já entrassem com novas propostas, de novos orçamentos para a universidade. Até porque a gente pensou que era um governo a favor da educação, e não a favor do desmonte da educação. Então, a partir do momento que entramos em greve, é porque não recebemos aquilo que esperávamos. Então, sim, é uma forma de descontentamento com o governo atual.