Texto e ilustração: Maria Eduarda Boin
No Brasil, a gente cresce ouvindo sobre méritos, passadas de perna e um gingado muito conhecido. Nos deparamos com falas de que o mundo é dos espertos ou que sempre há um jeito. Basta ‘só’ estudar mais ou conhecer o dono do lugar e esquecer que as filas existem. Das ruas ouvimos um bate-panela infinito. Jogue uma pedra em teto de vidro o brasileiro que nunca ‘bateu panela’. Não é possível que você seja tão pró-corrupção dessa maneira!

A verdade é que nenhuma panela batida ou indignação raivosa são capazes de mudar corrupções que nós mesmos praticamos. Esse gingado, ou melhor, esse ‘jeitinho brasileiro’ pode nascer das dores e dificuldades que sofremos desde nossa descoberta e nos fazem bater no peito e dizer que somos brasileiros, guerreiros e o que mais tiver de ser para lidar com as adversidades. Isso acontece nos momentos de precarização da saúde, das rendas distribuídas de forma tão desigual, da pobreza, da incerteza e da corrupção engravatada. Viver nesse sistema bruto, do capital acima de tudo e de todos, faz do povo brasileiro uma grande comunidade diversa, resistente e, hoje, polarizada. Levando em conta todo esse histórico, há quem diga que não haveria outro caminho que não o de criar o ‘jeitinho brasileiro’.
Podemos até pensar que quem sofreu com tanta exploração merece uma cultura regada a passada de perna e zigue-zague. Afinal, toda essa criatividade para driblar os problemas pode ser boa em algum ponto. Mas o problema é que não existem limites para o brasileiro. Por isso, essa cultura não é utilizada apenas como defesa de um povo explorado, mas como meio de levar vantagens e subir na vida por cima da cabeça do outro enquanto nos indignamos com políticos corruptos.
As consequências da naturalização dessa cultura-perna-de-pau atingem a sociedade toda, mas de formas diferentes de acordo com sua posição social. Tudo acaba ficando restrito a uma já conhecida relação de poder extremamente desigual. Enquanto uns furam a fila do mercado, outros colocam as mãos nos cofres públicos. Ou, dizendo de forma mais direta: o ‘jeitinho brasileiro’ é maléfico porque serve de porta de entrada para todo o tipo de mau-caratismo e corrupção no país.
Outra questão muito relevante na cultura do ‘jeitinho’ é a valorização de um suposto mérito em feitos ou conquistas de alguém. Pois vejam que engraçado! O povo que criou uma cultura para lidar com os problemas de um país desigual acredita mesmo que as oportunidades por essas terras sejam iguais? A meritocracia é defendida no Brasil mesmo por aqueles que são desfavorecidos por um suposto ‘mérito’ alheio. Afinal, as chances de quem mora em um prédio ou em uma favela são as mesmas, dizem os defensores de tal retorica. Infelizmente, não. Ricos têm, sempre, muito mais oportunidades do que as outras classes. Ou será que pobres que pegam ônibus ou cujo único acesso à educação foi em escolas públicas onde iam principalmente para ter o que comer podem competir com ricos que não precisavam trabalhar, estudavam nas melhores escolas, faziam cursos extracurriculares e se alimentavam bem? Em quais níveis essas condições de acesso se igualariam para que essa suposta meritocracia fizesse sentido? Acho que nem precisa responder. Eis aqui o ‘jeitinho’ novamente. Os ricos seguem sendo mais ricos e os pobres só ficam mais pobres.
Você talvez esteja dizendo para si mesmo, agora, enquanto lê esse texto, que não é bem assim ou que sua experiencia é diferente. Será? Talvez você seja apenas mais um, dentro dos milhares que, consciente ou inconscientemente, enraizaram essa cultura de corrupção, do ‘jeitinho’ e meritocracia, e assim não consiga enxergar nada de errado nela. O gingado criativo do brasileiro pode ser bom para dar risada e fugir da realidade dura, mas ele é bom quando divide espaço com a mão do poder? Precisamos sair do conformismo que nos leva a pensar que não existe outro caminho. Precisamos abandonar a posição de povo explorado ou terra devastada porque ainda há o que fazer.