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Opinião 98

Educando nas águas

Vitória Martins


Segunda-feira: despertar, comer um pão com café, dar um abraço na família e partir. No porto do município de Corumbá (MS) um barco está à espera. Com um motor potente, o transporte fluvial demora em torno de duas horas até o seu destino, escola das águas. A chegada é por volta das nove horas da manhã, são 90 km da cidade e as atividades se iniciam pela tarde. Reencontrar os familiares, só no próximo final de semana. Essa costuma ser parte da rotina da profissional que atua em uma das escolas das águas no Pantanal.

Ilustração: Ana Clara Klem

Escolas das águas são instituições de ensino que atuam em zonas rurais de difícil acesso no Pantanal Sul. Ao todo, 11 escolas fazem parte desse conjunto e dependendo da região, sofrem um impacto direto dos ciclos dos rios Paraguai e Taquari. O público estudante é composto por crianças ribeirinhas, assentadas, filhos de pescadores e peões.

A Escola Municipal Rural Extensão Jatobazinho ou Escola Jatobazinho como é mais conhecida, é a ampliação da Escola Municipal Rural Polo Paraguai Mirim. Está localizada às margens da Baía Vermelha, Área de Preservação Ambiental (APA) do município de Corumbá e é mantida por meio da parceria entre o Instituto Acaia e a Prefeitura Municipal da cidade. Atende crianças ribeirinhas das regiões do Castelo, Maracangalha, Paiaguas, Paraguai Mirim, São Francisco e Serra do Amolar. Funciona em regime de alternância – os alunos possuem atividades durante todo o dia, dormem na escola de segunda à sexta e retornam para casa aos sábados. O ano escolar é formado por quatro bimestres. No ano de 2022, o período letivo teve início no mês de março, terá um pequeno recesso no mês de julho e as atividades se encerrarão em dezembro. Ao todo, 59 crianças estão matriculadas na escola, em classes que vão do primário até o quinto ano do Ensino Fundamental I.

Ilustração: Ana Clara Klem

Escolas como estas são de extrema importância para a população local e fazem toda a diferença na comunidade. O relatório da “Ação diagnóstica” realizada pela Secretária Municipal de Educação de Corumbá, em parceria com a Secretária Estadual de Educação de 2004, identificou os principais problemas vivenciados por ribeirinhos. O documento destacava questões educacionais: crianças, jovens e adultos não possuíam acesso à escola, o que impactava diretamente no elevado índice de analfabetíssimo. Além disso, a presença do trabalho infantil também foi mencionada. De modo geral, escolas carregam consigo a responsabilidade de trazer novas perspectivas para crianças e familiares. E a distância da área urbana torna esse peso ainda maior, já que para a maioria dos estudantes, essa é a única oportunidade de ser alfabetizado.

Aos familiares e alunos que desejam ir além do ensino fornecido pela escola, é dado o incentivo de seguir com os estudos, por exemplo, na Fundação Bradesco – Instituição de Ensino que tem como objetivo promover inclusão e desenvolvimento social, oferecendo educação gratuita de qualidade para pessoas de baixa renda. A fundação fica localizada no município de Bodoquena (MS), a 266 quilômetros de Corumbá e dedica-se ao ensino fundamental, médio e técnico. Por conta da distância ainda maior, as crianças continuam longe de seus pais por até dois meses.

Ilustração: Ana Clara Klem

Não é apenas aprender a ler, escrever, somar e dividir, é também socializar. É um espaço de vivência que tenta incorporar e aproveitar ao máximo a cultura nativa e o que a natureza oferece. A educação nos leva a caminhos inimagináveis, mas isso só é possível se existir entendimento sobre o conteúdo aprendido e fizer sentido a quem se fala. Crianças ribeirinhas entendem mais sobre peixes do que sobre celulares do ano. Então, ao citar exemplos, o professor tem que estar preparado para infiltrar-se em um grupo que não necessariamente é o seu de origem. Esse pode ser um dos maiores desafios da profissão neste contexto. Por isso, investimentos na equipe pedagógica também são realizados.

Ser professora das águas em período integral é um ato de coragem. Deixar filhos e familiares em casa sempre é doloroso, mas quando se dão conta, já é sábado, dia de descer pelo rio Paraguai para o reencontro. A volta é mais rápida, a correnteza da água ajuda a impulsionar o barco. Em uma hora e meia estão novamente no porto da cidade de Corumbá. O próximo barco, só segunda-feira.