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Opinião 98

Em busca de dias mulheres

Daphyne Gonzaga


Para começar a entender o que é ser mulher no Mato Grosso do Sul é preciso levar em conta toda a complexidade cultural que o estado oferece como pano de fundo para a construção de suas histórias. Raça, classe, contexto familiar e territórios geográficos, são fatores determinantes na formação de gênero, para além das influências de indígenas, negros, imigrantes orientais e povos fronteiriços próprios do nosso Sul. Um povo que segue em busca de sua(s) identidade(s), desde o processo histórico de divisão do território, que culminou na criação de um estado legítimo e independente. Esses e tantos outros aspectos nos dão ferramentas na tentativa de compreender os desafios enfrentados pelas mulheres em um dos estados mais violentos contra esse gênero.

Ilustração: Laura Braga

Dos 29 vereadores eleitos na gestão atual (2021-2024) na capital do Mato Grosso do Sul, apenas uma é mulher, Camila Jara, de 27 anos. Já entre os deputados estaduais, a única representante feminina, Mara Caseiro, assumiu a cadeira após um dos membros ter falecido. História parecida na prefeitura de Campo Grande, foi preciso a renúncia do prefeito para que a vice Adriane Lopes assumisse o cargo no último dia quatro de maio. Nas outras cidades do estado, prefeito e seus respectivos vices: logicamente, a maioria esmagadora, homens. Este é apenas um dos indícios da falta de representatividade feminina, principalmente entre os tomadores de decisão.

Passaram-se apenas 45 anos desde a criação do estado. Antes disso, o seu território, que fazia parte do Mato Grosso, era formado por pequenos municípios dispostos ao longo do trajeto das Monções e dos tropeiros; as chamadas cidades de passagem, com poucos habitantes e afastadas dos grandes centros. O foco era a agricultura e os pequenos comércios, que serviam àqueles que transitavam entre a capital Cuiabá e outros destinos como Minas Gerais e São Paulo. Apesar de todas as mudanças, o principal meio de subsistência continua sendo a agricultura e a pecuária, ramos historicamente dominados por homens.

Não que as mulheres não desempenhem o trabalho na lida diária com o gado, na liderança dos peões e na condução dos negócios familiares, mas existe um apagamento da importância dessas mulheres na história do agronegócio, assim como na história da construção do estado em geral. Tudo isso se reflete na forma como essa cultura machista permanece sendo propagada dentro do estado, visto que quem conta a história são majoritariamente homens brancos que perpetuam uma tradição patriarcal e excludente.

É importante pontuar que assim como alerta o “Violentômetro”, da Subsecretaria de Políticas para a Mulher do Mato Grosso do Sul (SPPM/MS), a noção de violência vai além dos crimes como assassinato e agressão física. A mulher precisa lidar com agressões diversas que perpassam a violência psicológica, moral, patrimonial e sexual; sem contar o preconceito no mercado de trabalho e o desmerecimento de seu papel na sociedade em geral.

Uma das perspectivas para tentar explicar tamanha opressão poderia ser a falta de acesso à informação. Muitas vezes, o homem do campo está inserido em um contexto no qual, além de não ter educação de qualidade, acaba por fazer parte da disseminação de uma cultura local tradicionalista, e por vezes antiquada, que perpetua a submissão da mulher. Cultura esta que atribui o papel, único e imutável, de mães e donas de casa às mulheres na sociedade, servindo, dessa forma, exclusivamente para garantir a manutenção da estrutura familiar e da dominação masculina.

Segundo dados da Cartilha de Violência contra as mulheres do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021), o MS tem a terceira maior taxa de feminicídio do país, sendo que grande parte dos crimes acontecem nos municípios com menor número de habitantes, as “cidades do interior”. Acontece que esse índice está longe de ser atribuído apenas ao conservadorismo cultural. Karla Melo, cientista social e ativista em causas feministas e LGBTQIA+ acredita que existem inúmeros fatores que contribuem para que o estado seja considerado um dos mais violentos contra as mulheres. “Além de uma cultura histórica conservadora, a dificuldade de acesso à informação e educação adequada, o enfraquecimento dos movimentos sociais em favor da causa e a falta de presença feminina na gestão do estado tornam mais difícil a vida da mulher no MS”.

Na década de 2010, o estado vinha numa crescente trajetória em defesa dos direitos das mulheres. Nessa época, foi criada a primeira Coordenadoria Estadual das Mulheres do país, a primeira Casa da Mulher Brasileira, e houve a criação de grupos pioneiros, como o Coletivo Feminista Lídia Baís. Acontece que os movimentos sociais, segundo a psicóloga e ativista feminista em Campo Grande Pietra Garcia, estão passando por um momento de enfraquecimento. Ela afirma que o caminho para melhorar este cenário é simples na teoria, mas que requer muito esforço e dedicação na prática.

É preciso que as sul-mato-grossenses se juntem para propor medidas de proteção e empoderamento, com o objetivo de combater o preconceito de gênero e a garantir que sejam atendidas as necessidades das mulheres em toda a sua diversidade. No Brasil, as políticas públicas não são implementadas de outra forma, que não a partir da pressão das ruas. Também é necessário continuar esse trabalho nas urnas, garantindo através das eleições a representatividade feminina nos órgãos públicos para que as vozes das mulheres tenham mais chances de serem ouvidas. Só assim, será possível tornar o estado do Mato Grosso do Sul mais seguro, acolhedor e justo para as suas mulheres.