Ana Carolline Krasnievicz Homem
“Você só vai ser plena consigo mesmo quando se casar.” Eu tinha 13 anos quando escutei isso pela primeira vez da minha avó. Com essa idade eu não tinha nem mesmo dado o primeiro beijo, falar em casamento então, era de outro mundo. Eu ainda era uma criança, fugia de casa pra jogar bola na rua. Com 13 anos eu só queria fazer 14.

Sou a neta mais velha da minha avó, talvez por isso essa preocupação com meu casamento desde cedo. Dona Lourdes é de 1953, época em que as meninas eram criadas para o casamento, matérias como economia e práticas do lar ainda eram ofertadas nas escolas. Ginástica? Só para meninos. Ela conta que desde pequena foi criada para o casamento. A regra era ter apenas um namorado, casar-se com ele, ter casa e filhos para cuidar. Ter filhos num tempo em que nem existia licença-maternidade. E ainda ações simples, como dar um passeio sozinha eram vistas com maus olhos. A vida controlada pela estrutura patriarcal era realidade. Inevitavelmente, foi o que aconteceu.
Com seis anos e seis meses entre namoro e noivado, minha avó casou-se com o homem que viria a ser meu avô. Eles ficaram juntos por mais de 38 anos. Nesse meio tempo, eles criaram juntos quatro filhos. Iniciaram vida nova em um novo estado. Minha avó formou-se na faculdade, mas é claro que isso foi só depois dos filhos. A reprodução era a prioridade.
Filhos? Eu nunca nem pensei nisso. Quando meu irmão nasceu, eu já tinha 18 anos e percebi que eu não tenho condições psicológicas e muito menos situação financeira para um filho. Quem dirá filhos.
Cresci sendo designada aos estudos. Fiz o ensino médio sabendo que faculdade seria uma realidade pra mim. Estudar, essa sempre foi minha prioridade. Só de pensar em me colocar no lugar da minha avó, me vem um sentimento de aflição. Mudar minhas prioridades me parece improvável. Sei que as coisas podem mudar. Somos metamorfose. Mas mudar por alguém? Eu tenho liberdade para mudar e me dói saber que ela não teve.
Hoje, pra mim, muitas coisas são comuns. Foi necessária muita luta do movimento feminista para que algumas mudanças surgissem. Podemos tomar anticoncepcional. Podemos votar. Podemos trabalhar e construir nosso patrimônio. Podemos estudar, ter acesso a faculdade. Já fomos presidentes. E não precisamos mais assumir o sobrenome dos nossos maridos. O sobrenome é nosso. A história é feminina.
Eu penso que as coisas podem mudar muito rápido, e se pra uma pessoa já é difícil, imagine duas. Duas vidas. Duas cabeças. Dois futuros. Não quero que nada me prenda. Quero toda a liberdade pra eu decidir o que eu quero. E quando quero. Quero viajar, ver coisas novas, conhecer pessoas diferentes, experimentar pessoas diferentes. Eu quero coisas que um casamento não me dá.
Em 2004, para a minha avó meu avô desencarnou, pra mim ele morreu. Eu era pequena, não entendia a dor dessa perda. Demorei muito a entender. Só vi minha vó se recuperar mais de 10 anos depois. Ela diz que em algum ponto a dor da solidão era maior que a dor da perda.
E o caminho dela voltou a cruzar com outro. Entrelaçou com um carioca branquelo e brincalhão que sempre carrega livros. Já não consigo me lembrar dela sem ele. Comecei a vê-la sorrir ao seu lado como eu nunca tinha visto. Era um sorriso sincero, de felicidade e notas de alívio.
Quando peço pra ela nomear essa relação, ela diz “companhia”. Quando eu peço para ela descrever, ela usa palavras como amizade e leve. E eu não poderia pensar numa maneira mais sincera de descrevê-los. Eles estão juntos, mas cada um tem sua casa, seu carro, sua vida, e é claro, seus filhos. Duas vidas que não se tornaram uma só, mas que hoje caminham juntas.
Quando questionada, minha avó diz que não tem muitas ambições para esse relacionamento. O que ela quer mesmo é ver a família crescer. Isso significa que ela quer ver sua neta casar. Se me perguntarem o que eu quero, eu quero uma tigela linda de vidro amarelado pra colocar em cima da minha mesa. Quero estudar, quero meu diploma, quero poder passar por situações difíceis com mais calma. Se me perguntarem sobre casamento hoje? Eu só procuro alguém pra dividir os boletos.