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Opinião 99

Faça bonito e proteja nossas crianças e adolescentes

Ana Carolina Gonçalves


Muito provavelmente você já sabe que, a cada um minuto, uma mulher é estuprada no Brasil. Mas o que você talvez não saiba é que as mulheres não são as principais vítimas. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021, 61% das vítimas de estupro no Brasil tem menos de 14 anos de idade. Outros dados também precisam ser apontados: 82% dos crimes de violência sexual contra crianças e adolescente são cometidos por algum conhecido da vítima, e 76% dos casos de estupro acontecem dentro de casa. Essa é a realidade vivenciada por muitas crianças e adolescentes brasileiros. Agora você sabe.

Este texto poderia ser apenas um compilado de números que refletem os casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Mas ele também poderia ser um relato de várias pessoas que já sofreram algum tipo de abuso durante a infância e/ou adolescência, e também daquelas que nem sequer sabem que foram vítimas.

Segundo a organização Childhood Brasil, a exploração sexual infantil pode ser definida como “qualquer relação de uma criança ou adolescente com adultos, mediada pelo pagamento em dinheiro ou qualquer outro benefício”. Essa definição é importante porque enfatiza que o estupro é apenas uma das formas de abuso. Consumir ou comercializar pornografia infanto-juvenil, trocas sexuais, turismo e tráfico sexual também são formas de violência que crianças e adolescentes podem ser submetidos.

Aparentemente, os vários levantamentos e dados alarmantes não são motivos suficientes para que esse tema seja tratado como prioridade no debate público e nas agendas políticas. Desde o primeiro ano à frente da presidência, o governo de Jair Bolsonaro (PL) diminuiu sistematicamente as verbas repassadas ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), órgão ligado ao Ministério da Cidadania, que atua no combate à exploração e abuso infanto-juvenil. Tanto é que, para 2023, o atual governo, que tanto afirmou defender a família, destinou apenas R$15 milhões à proteção de crianças e adolescentes, número que equivale a 1,5% do valor utilizado pelo Governo Federal em 2012.

Em 2022, a defesa dos direitos e a proteção de crianças e adolescentes se tornou apenas mais objeto do discurso moralista propagado, em especial, por políticos de extrema direita e grande parte de seus apoiadores. É nesse contexto que a recorrente demonização sobre o que é educação sexual, assim como os motivos que justificam sua aplicação nas escolas, impede que vítimas desses crimes possam não só reconhecer que são vítimas, mas também saber como agir e a quem recorrer sob essas circunstâncias.

Sabemos que nós,  brasileiros, temos uma grande dificuldade em olhar criticamente para nós e nossas contradições. Não gostamos de falar de racismo, mesmo sabendo que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão em 1988. Evitamos falar sobre machismo, enquanto o país bate recordes de feminicídios, mesmo tendo uma das melhores legislações do mundo no combate à violência contra a mulher. E, claro, não falamos sobre homofobia e, ainda que diversos levantamentos apontem que somos o país que mais mata pessoas transsexuais e um dos mais violentos contra pessoas LGBTQIA +, não nos consideramos preconceituosos.

É sobre esse cenário que atuam campanhas como “Agora você sabe”, “Faça Bonito”, e também a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil, comemorado em 18 de maio. Ao romper com o silêncio e questionar a invisibilidade historicamente imposta sobre esse assunto, uma parcela da sociedade brasileira sinalizou claramente que o “desaparecimento” do Estado, sobretudo nos últimos anos, não seria mais um obstáculo à proteção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, que são amparados não somente pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, mas também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990.

Uma vez que nos questionar é algo tão difícil, eu termino este texto com uma pergunta: se você ouvisse um idoso de 67 anos dizer que “pintou um clima” entre ele e uma menina de 14 anos. O que você faria?