Categorias
Opinião 96

Famílias fora do armário

Texto: Emily Lima | Raissa Quinhonez
Ilustração: Emily Lima


É paradoxal a situação das pessoas LGBTQIA+ no Brasil. De um lado, o país desfruta de conquistas legais bem acima da média mundial; de outro, registra 237 assassinatos de pessoas LGBTQIA+ em 2020. Os dados são do relatório Observatório das Mortes Violentas de LGBTQIA+ No Brasil – 2020, realizado pelo Grupo Gay da Bahia e pela Acontece Arte e Política LGBT+, de Florianópolis. Ao redor do mundo 69 países entre 193, criminalizam a relação entre pessoas do mesmo sexo. Apenas em 26 nações o casamento entre pessoas homoafetivas é permitido, e em 30 a adoção de crianças por casais homossexuais é legal. No Brasil, tanto casamento quanto adoção são permitidos por lei.

A urgência de retratar uma minoria faz parte de um contexto patriarcal, conservador e retrógrado que ano após ano reprime a expressão de sexualidades além da heteronormatividade. Pois apesar de que nos últimos 18 anos tenha dobrado o número de personagens LGBTQIA+ nas telenovelas brasileiras – de acordo com uma coletânea divulgada pela revista Mundo Estranho, com dados dos sites Memória Globo e Teledramaturgia – esses folhetins ainda apresentam pouca pluralidade de gênero e costumam reforçar narrativas baseadas em estereótipos.

As redes sociais vêm na contramão. Alias pessoas criam o seu próprio espaço e têm a opção de mostrar aquilo que querem que o público saiba. E muito mais do que expor suas vivências, há quem procure por elas, queira se sentir representado ou apenas busque saber que viver de determinado modo é possível.

É o caso de Francieli Maria e Ana Salton, juntas desde 2012 e que em 2019 concretizaram o sonho de adotar um filho. Quando o processo de adoção começou, elas já acompanhavam alguns perfis de homoparentalidade que compartilhavam nas redes sociais informações e acolhimento pelas vivências. Quando Miguel chegou o casal criou um perfil  no Instagram com o intuito de mostrar à outras pessoas que é possível, sendo LGBTQIA+, adotar uma criança e formar uma família. Neste contexto, a rede social tornou-se uma ferramenta indispensável para a família, como representatividade e troca de vivências reais.

No Brasil, há pelo menos 32 mil famílias homoafetivas formadas por duas mães, o que representa 53,8% do total de casais LGBTQI+, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Além de todo o amor e disposição necessários para dar uma nova família a uma criança, são exigidas documentações e etapas que incluem entrevistas, preparos psicossociais e até um ‘teste’ que irá analisar se a criança irá se adequar à vida em família. Através da internet, mais do que compartilhar informações sobre o processo da adoção, Francieli e Ana compartilham seu lar, o crescimento e aprendizado de seu filho, conectando sua realidade com a de outras famílias.

Além da adoção, o casal também se preparou para lidar com o preconceito e explicar para o mundo que o que caracteriza uma família não é simplesmente o tipo de sangue que corre nas veias, mas aquilo que é feito no dia a dia e demonstra um laço inquebrável de carinho e amor. Francieli ressalta que criaram o perfil para expor que é possível, e que a família dela existe. Ela acredita que é importante criar um ‘espaço seguro’, mesmo que seja online, para que outras pessoas se sintam conectadas.

Neste arco-íris ambíguo de direitos conquistados, de um lado há violência e preconceito contra LGBTs, e do outro o Brasil avança, mesmo que vagaroso. A família é a base da nossa vida, é para onde voltamos quando os problemas nos derrubam, é onde deveriam estar os que nos acolhem. É um lugar que deveria ser seguro independente da sua configuração: dois pais, duas mães, pai e mãe, mãe solo, pai solo. Todas as famílias – o que inclui as homoafetivas – querem apenas ser respeitadas.