Animais silvestres nativos do Pantanal sob ameaça de extinção
Texto: Anna Luiza Petterman | Marina Gabriely Alves
Edição: Ingrid Potasio | Isadora Colete | João Vitor Marques
Se o Pantanal fosse um país, ocuparia a 39 posição entre os países com mais biodiversidade do mundo. Entretanto, essa variedade biológica está em risco. Atropelamentos nas rodovias que contornam o bioma, pesca predatória, caça ilegal, desmatamento e queimadas irregulares são exemplos de ações que impactam diretamente na sobrevivência do ecossistema.
Segundo dados da Organização Não Governamental (ONG) SOS Pantanal, o bioma possui cerca de 3.500 espécies de plantas, 650 de aves, 124 de mamíferos, 80 de répteis, 60 de anfíbios e 260 espécies de peixes. A conservação desses animais depende de diversos aspectos, principalmente climáticos e humanos.

A Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) avaliou animais da fauna do Pantanal como ‘vulneráveis’, como a onça-pintada, o tamanduá-bandeira, o cervo-do-pantanal, o tatu-canastra e o udu-de-coroa-azul. A UICN também classificou espécies ‘em perigo’, como a anta, a ariranha, o jacu-de-barriga-castanha e o gato-maracajá.
A existência de iniciativas que estudam sobre a fauna do Pantanal e auxiliam no cuidado e preservação das espécies tem se tornado cada vez mais necessária. O Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) é uma organização sem fins lucrativos, que se dedica à conservação da biodiversidade por meio de estudos e projetos. Localizado em Campo Grande, o ICAS tem como principal objetivo a conservação de duas espécies “icônicas” da fauna pantaneira, o tatu-canastra e o tamanduá-bandeira, através dos projetos ‘Tatu-Canastra’ e ‘Bandeiras e Rodovias’.
A bióloga, doutora em Ecologia e gestora ambiental do ICAS, Andréia Figueiredo, atua como educadora ambiental desde 2009 e em 2018 entrou para a equipe do Instituto. “Eu acredito que quanto mais trabalhamos na área da conservação de biodiversidade, perde o sentido não trabalharmos os componentes de educação e políticas públicas que envolvem toda a área de educação ambiental”. A bióloga afirma que o trabalho do Instituto é a favor da coexistência “humano-fauna”, e apesar do ICAS ter projetos focados em animais em extinção, o objetivo final é a conscientização da população sobre a necessidade desses animais para a manutenção do ecossistema.
Andréia afirma que mediar os conflitos entre humanos e animais é uma das medidas encontradas pelo ICAS para auxiliar na preservação da fauna. O tatu-canastra costuma derrubar caixas de colmeias para se alimentar das larvas de abelhas, o que gera prejuízo para os apicultores. Como forma de evitar que os apicultores façam mal a espécie, o Instituto criou o projeto ‘Canastras e Colmeias’, com materiais sobre como evitar o ataque desse animal, e o selo ‘Amigo do Tatu-Canastra’ para agregar valor ao produto dos apicultores que aceitaram essa medida de mitigação e preservação da vida do tatu.
Ameaça iminente
O contato entre o ser humano e o meio ambiente pode ser considerado uma das principais ameaças para o funcionamento de um ecossistema. A “invasão” das rodovias à casa dos animais silvestres é um dos fatores de choque entre as espécies, e os atropelamentos e colisões veiculares são duas das principais causas de mortalidade na região. O projeto de pesquisa Bandeiras e Rodovias, idealizado pelo ICAS, atua no monitoramento dessas colisões com o objetivo de diminuir os números e alcançar estradas mais seguras para todos.

Esse encontro na malha rodoviária impacta negativamente os dois lados. Para os animais, os acidentes, na maioria das vezes, são fatais. Já para as pessoas, causam danos físicos e psicológicos, podendo levar o indivíduo envolvido a óbito. Conforme dados da Polícia Rodoviária de Mato Grosso do Sul, 614 colisões com animais, ocorridas entre 2007 e 2019, tiveram vítimas fatais ou feridas.
O engenheiro florestal Yuri Ribeiro aponta que o ICAS se dedica aos projetos de conservação que adotam as dimensões humanas como uma frente de trabalho, atuando na criação de políticas públicas, articulações com instituições do governo e com a educação ambiental. “Temos feito um grande trabalho para implementar o que nós chamamos de medidas de mitigação nas rodovias que são passagens de fauna, cercamento, são todas as modificações físicas na rodovia que vão garantir de alguma forma que nós possamos diminuir o impacto que elas causam na fauna silvestre”.
Para diminuir o risco de extinção dessas espécies, a preservação do habitat natural é fundamental. Trabalhar com os povos tradicionais do Mato Grosso do Sul e entender as suas relações com a fauna e flora do Pantanal é uma das possibilidades
Yuri trabalha com análise de dados, políticas públicas e apoio científico em projetos voltados para a conservação da biodiversidade no ICAS. Ele explica que as colisões veiculares são um problema crônico que afeta todo o estado de Mato Grosso do Sul e envolve muitas espécies que estão ameaçadas de extinção. Entre 2017 e 2020, 2.159 carcaças de tamanduás-bandeira, capivaras e antas foram encontradas em virtude de atropelamentos nas rodovias sul-mato-grossenses, conforme dados levantados pelo instituto.
O lema do Bandeiras e Rodovias é garantir estradas mais seguras para todos. Investigações realizadas identificaram que algumas espécies são mais afetadas do que outras. A exemplo disso, temos o tamanduá-bandeira, uma das espécies mais vitimadas pelos atropelamentos.
Outro fator que ameaça a fauna do pantanal são as caças ilegais, criações em cativeiro, tráfico e maus-tratos. Segundo levantamento realizado pela Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul (PMA-MS), 92 pessoas foram autuadas por crimes ambientais em 2022, totalizando R$1.504 milhão em multas. Dessas, 29 praticavam caça ilegal.
Dentre as riquezas do bioma, os vastos rios e planícies alagadas são sempre contemplados, assim como os peixes de água doce. Devido a abundância da vida aquática, o Pantanal é o principal destino de pesca esportiva, amadora e profissional do Brasil. Conforme o mesmo levantamento, cerca de 100 mil pescadores passam pelas águas pantaneiras durante os meses em que a prática é liberada. As infrações mais frequentes estão relacionadas ao uso de redes e ao abate de peixes fora dos tamanhos permitidos.
Além disso, conforme levantamento do G1 Natureza em parceria com as autoridades locais, a cada 204km2, apenas um fiscal estava encarregado da missão de preservar o Pantanal e combater a caça e a pesca ilegal, assim como os demais crimes ambientais. Pela necessidade de ter um flagrante da ação, fiscalizar e punir quem pratica essas atividades são as maiores dificuldades das autoridades responsáveis.

Para além das ações exclusivamente humanas, o habitat desses animais frequentemente é afetado por fenômenos naturais. O fogo acontece no Pantanal há mais de 8 mil anos e se tratava de uma etapa de renovação do bioma. Contudo, a intervenção humana por meio do desmatamento e do agronegócio intensificaram a permanência, intensidade e volume desses incêndios florestais, afetando negativamente a vida pantaneira.
O biólogo e atual diretor de comunicação do Instituto SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, explica que as notícias veiculadas são estratégicas e transmitem informações importantes sobre o que está acontecendo no bioma. “Temos uma linha de atuação que é em incêndios florestais, com o programa brigadas pantaneiras. A gente ajudou na formação de 24 brigadas espalhadas pelo Pantanal, distribuindo equipamentos e treinando cada uma. Também fazemos o monitoramento do fogo e disponibilizamos para elas diariamente”. De 2020 a 2022, houve uma redução de mais de 86% dos focos de calor nas áreas onde as brigadas têm a sua área de atuação, o que impacta diretamente na preservação da fauna.
ConservAÇÃO
Para diminuir o risco de extinção dessas espécies, a preservação do habitat natural é fundamental. A ONG Ecologia e Ação (Ecoa), fundada em 1989 na capital sul-mato-grossense, reúne biólogos, cientistas sociais, arquitetos, engenheiros e comunicadores que desenvolvem projetos e incentivam políticas públicas para a conservação ambiental e a sustentabilidade nos meios rural e urbano. Trabalhar com os povos tradicionais do Mato Grosso do Sul e entender as suas relações com a fauna e flora do Pantanal é uma vertente valorizada pela ONG.
O biólogo e Diretor Presidente da Ecoa, André Siqueira, afirma que todas as ações da ONG impactam a proteção da fauna. “Na Agenda de Conservação e Desenvolvimento do Pantanal no Cerrado a gente trata desde a criação e gestão de áreas protegidas, até o trabalho diretamente com os grupos extrativistas, povos e comunidades tradicionais. Todos eles manejam espécies das mais diversificadas possíveis.” Para que a fauna seja preservada, o habitat natural em que vive deve ser conservado e a população precisa ser conscientizada sobre a importância desses animais no ecossistema.
André evidencia que a biodiversidade da flora do Pantanal contribuiu diretamente para a quantidade de espécies animais naturais do bioma. O biólogo afirma que o desmatamento não influencia apenas na preservação da fauna como também no turismo do Pantanal. “É extremamente prejudicial para a área o desmatamento e a alteração do solo para a agricultura”. O biólogo reitera a importância da fiscalização de órgãos governamentais e das polícias militar, ambiental e federal para garantir o cumprimento da lei quanto à preservação do bioma e ao bem-estar dos animais.
O desmatamento regular ou irregular, queimadas e a introdução de espécies exóticas são os principais fatores de risco à preservação do habitat e da vida dos animais silvestres do Pantanal
De acordo com a ONG WWF-Brasil (Fundo Mundial Para a Natureza), a pecuária não sustentável, a monocultura da cana-de-açúcar e da soja e a contaminação de solos e dos recursos hídricos com insumos agrícolas são pontos que dificultam a conservação da fauna e flora do Pantanal. As iniciativas de ONG’s como a Ecoa, o SOS Pantanal e o Icas são importantes para produzir estudos constantes sobre o bioma e as adversidades encontradas pelos animais silvestres em seu habitat natural. Mas além das ações de ONG’s, a conscientização da população acerca do cuidado com a fauna e flora é necessária para evitar a extinção desses animais.

A bióloga e doutora em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Elizabete Costa afirma que conservação e preservação são conceitos diferentes nos estudos em Ecologia. Unidades de conservação são áreas que sofreram “algum grau de interferência”, enquanto “preservar é um conceito mais amplo”. A existência de espécies da fauna e flora que estejam em extinção ou que sejam representativas de uma região, e conservação do perfil característico do bioma local, são elementos que determinam a criação de uma área de conservação.
Segundo Elizabete, o desmatamento regular ou irregular, queimadas e a introdução de espécies exóticas são os principais fatores de risco à preservação do habitat e da vida dos animais silvestres do Pantanal. A ocorrência de ações humanas realizadas em regiões do seu entorno, como a construção de rodovias, atividade agropecuária e o assoreamento de rios, como o rio Taquari, são fatores que acarretam no desequilíbrio do ecossistema pantaneiro. A bióloga afirma que a formação do Pantanal como uma junção de diferentes biomas brasileiros, faz com que ele seja “muito resiliente” às alterações provocadas pela ação humana.
No dia cinco de junho de 2022 o Governo do estado de Mato Grosso do Sul anunciou o Projeto Sementes do Taquari, que consiste no reflorestamento de uma área de 1.800 hectares de solo degradado, localizada nas cabeceiras do Taquari, rio da região norte do estado que passa pelo Pantanal. Com investimento de 6 milhões de reais, será o maior projeto de recuperação ambiental em unidade de conservação do Brasil. Essa medida de reflorestamento auxilia, além da revitalização da região, na readequação do ambiente para a fauna local. Mas, além de medidas de recuperação, iniciativas de mitigação mostram-se urgentes para que esses espaços não precisem de uma revitalização constante e os animais silvestres possam se desenvolver com segurança em seus habitats.