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Opinião 99

Filhos do abandono

Amanda Ferreira


Uma pesquisa realizada pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), afirma que MS possui em 2022, 634 crianças e adolescentes vivendo em casas de acolhimento. Destas, a maior parte é de jovens maiores de 16 anos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça de 2010. A solicitação de adoção desta faixa etária é muito baixa e precisa ser compreendida.

Conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) houve apenas uma adoção de jovens de jovens negros em 2019 no estado do MS – Foto: motortion/dreamstime

Os abrigos exercem apenas a função de uma moradia provisória para uma criança que precisa de proteção temporária, não assumindo a responsabilidade afetiva de se tornar um lar para estas pessoas. Após completarem 18 anos, eles são obrigados pela lei Nº 13.509/2017 a deixarem os abrigos para seguirem suas vidas, com ou sem perspectivas de um futuro promissor.

Diversas políticas públicas para atender esses jovens com mais de 18 anos, que acabaram de sair dos abrigos e orfanatos, foram criadas em Mato Grosso do Sul para garantir assistência. Programas de jovem aprendiz e cursos técnicos são oferecidos para essa parcela da sociedade com o intuito de desenvolver o intelecto profissional e proporcionar o ingresso no mercado de trabalho. Na prática, a realidade é bem perversa, aponta o Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede.

Muitos destes programas só aceitam jovens que estão cursando o ensino médio ou com algum conhecimento específico da área de atuação do curso. Um cenário muitas vezes inalcançável para os indivíduos que acabaram de sair dos abrigos, onde a maioria está seriada em anos diferentes, não correspondendo com a idade ao seu nível escolar. Nem todos os abrigados frequentam escolas.

Em relação ao analfabetismo, o levantamento do encontrou, entre os abrigados em MS, de 15 a 18 anos, uma proporção dos que não sabiam ler nem escrever considerada muito elevada, quando comparada com os índices nacionais para essa faixa etária: 16,8%, quando o índice geral do Brasil para esta faixa situa-se em torno de 3%, segundo os dados do IBGE.

Esses jovens maiores de 16 anos passam por diversas crises emocionais quando pensam no futuro. Pois sabem que após os 12 anos as chances de encontrar um lar caem drasticamente. Uma pesquisa realizada, a partir de 2019, pelo CNJ aponta que crianças de 12 a 16 anos foram adotadas apenas 22 vezes, comparada às 96 crianças de até 2 anos que saíram dos abrigos neste mesmo ano. Ainda, dados apurados pelo CNJ afirmam que em 2022 foram registrados 49 casos de adoção de meninos brancos com menos de 2 anos de idade, comparado aos poucos 18 trâmites de adoção em MS que fogem desse perfil.

Esses adolescentes convivem com um cronômetro pendurado ao redor do pescoço. São vítimas da burocracia de um processo adotivo, mas também do preconceito pelas famílias adotantes. O processo de adoção para a faixa etária dos maiores de 16 anos é baixa, sendo a maior procura crianças do sexo masculino brancas de 4 a 6 anos de idade, resultando num percentual de 51.9% de meninos adotados em comparação a 41,8% de meninas pretas com a mesma idade sendo adotadas, conforme dados do CNJ.

A partir do ano de 2019, o percentual de crianças negras adotadas foi de 3% comparado aos 22% de crianças brancas adotadas, conforme informa dados do CNJ.

Pela situação de extrema vulnerabilidade, essa minoria maior de 18 anos lida com a pressão de serem adultos sozinhos, sem assistência e sem futuro. Dado de mais de 15 anos feito pelo Levantamento Nacional, mostrou que no Brasil o total de jovens e crianças que foram acolhidos por abrigos e passaram a viver em situação de rua, foi de 15%. Esta porcentagem alarmante reafirma que ao saírem das casas de acolhimento estes jovens, na faixa etária dos 18 anos, acabam colhendo as consequências dos diversos tipos de abandono sofridos durante suas vidas. Procuram refugio nas drogas, no crime e também apelam para prostituição como modo de sobrevivência.