Texto e Fotos: Glenda Rodrigues
“Alegre-se com a esposa da sua juventude, gazela amorosa, corça graciosa. Que os seios dela sempre o fartem de prazer; que você se embriague sempre com o seu amor”. Quando o conteúdo sexual do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, chocou os governos de Goiás, do Paraná e de Mato Grosso do Sul, foi banido imediatamente das escolas públicas. O trecho acima, porém, não choca. Ele está na Bíblia, em Provérbios, Capítulo 5, Versículos 18 e 19. A violência policial retratada na obra vetada, essa, de fato incomoda, mas só para quem quer escondê-la, jogando na lata de lixo a reflexão sobre erros e acertos. Às margens da discussão, a carne mais barata do mercado sabe bem que a pele negra é a associada ao crime.
Leonardo Sakamoto entra no auditório Marçal de Souza, no corredor central da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, lotado e à sua espera. Como numa mesa de ping-pong, passa a jogar visões antagônicas de mundo, de um lado para o outro. Ali, fisicamente, ele desafia a automação dos algoritmos digitais. As bolhas na internet encerram as pessoas em câmaras de ego, entregam um espelho com o próprio reflexo do consumidor de informação e não permitem uma visão plural do mundo. Tudo é imagem e semelhança. Mas não ali, naquela noite de 9 de maio de 2024.

O jornalista diz que o desconhecido gera medo e o medo gera ódio e que esse comportamento não é exclusividade dos partidos políticos de direita. A esquerda também deixou sua base evangélica escapar pelos dedos. Segundo a jornalista Anna Virginia Balloussier, que retratou o evangelismo brasileiro na obra “Púlpito” (2024), a base política inicial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era de evangélicos, que ao longo das décadas se esvaiu e hoje está, fortemente, ligada à figura de Jair Bolsonaro, um político católico. A falta de diálogo olho no olho, de interesse em achar pontos de convergência antes de divergir, e de crer que tuítes em massa vão convencer alguém, é uma falha estrutural do esquerdismo brasileiro.
Os termos comunismo, censura e liberdade de expressão foram conceitualmente esvaziados ou deturpados. O taxista que cortava a metrópole paulistana na companhia de Sakamoto se interessou pela ideia de uma sociedade com meios de produção de propriedade mais igualitária. Porém, ao descobrir quem é seu passageiro, soltou logo o xingamento “Comunista!”. Muitas vezes quem não detém os meios de produção somente se recorda disso quando é demitido, ou quando suas oito horas de trabalho celetista por dia e 44 semanais, com direitos sociais garantidos, evaporam no meio da jornada infindável de uma pessoa jurídica. Sakamoto cravou em sua palestra várias expressões de burrice da sociedade atual, como o discurso de ódio e a liberdade de expressão sem limites. Ele também aposta que a maior sacada do neoliberalismo é o precarizado achar que é livre, e os sindicatos perderem a capacidade de mobilização. A força sindical só existe, e tem sucesso, quando o trabalhador compreende a sua posição vulnerável na cadeia alimentar.
A equação da vida é resolvida nos tribunais quando as negociações nas ruas passam a ser litigiosas. Patrão ou empregado, greve ou sucateamento e defasagem salarial, luta pelos direitos ou fragilização do atual governo. Já é tarde, o auditório continua lotado, as perguntas não param de chegar, a bateria vital numa quinta-feira que começou em São Paulo e termina em Campo Grande só tem um ponto, e as respostas deixam a ponta da língua do palestrante. Greve na UFMS é a dura pauta que divide técnicos e professores na universidade federal do estado. Essa partida política parece longe de terminar, e o curso de jornalismo segue trabalhando intensamente, inclusive com a elaboração deste jornal. Para questões complexas, a resposta simples não cabe, e, ainda que tentem, a bolinha de ping-pong nunca vai parar em cima da rede.