Cadu Fernandes
Assim como outras expressões artísticas, o cinema estabelece uma relação de proximidade entre o discurso geográfico e a linguagem cinematográfica. Além disso, se apropria de um determinado território para arquitetar suas tramas e narrativas. No caso de Mato Grosso do Sul, é possível notar um vínculo expressivo do estado com sua produção cinematográfica.

Um dos filmes que sintetiza a produção cultural-regional sul-mato-grossense é Selva Trágica (1963). Com direção de Roberto Farias e atuação de Reginaldo Faria, o longa retrata as dificuldades de trabalhadores em uma indústria de erva mate no interior do estado. Para além de uma simples narrativa sobre o sofrimento dos operários, o filme explora uma linguagem forte e intensa, com um recorte mais intimista. Os temas sociais, o realismo à flor da pele, a relação entre trabalho e dinheiro, e a câmera dirigida basicamente para o corpo dos atores, contemplando tudo – o amor e a violência – aproximam Farias daquilo que sintetiza uma temática recorrente do cinema do estado: a luta de classes.
Outro fator presente nas produções é a utilização de gêneros de faroeste, especialmente em filmes realizados entre 1975 e 1985, por influência da estética que predominava no cinema de massa norte-americano na época. De certa maneira, as imagens propagadas pela mídia de um outro país alteram a forma com que as pessoas lidam com sua própria realidade. Entretanto, o cinema feito aqui ainda assim incorpora elementos característicos da região.
Um dos mais fortes movimentos cinematográficos do estado surge de um produto amador, o chamado “filme sertanejo”, que mesmo sob forte influência da arte hegemônica, ainda responde como um tipo de cinema “irresponsável”, que não se prende a arquétipos estabelecidos pela crítica, mercado ou financiadores.
Dentre os vários cineastas que surgiram nessa época e participaram do movimento é válido destacar Alexandre Couto e José Reinaldo Dorval, ambos de MS. Os dois ficaram marcados por uma estética violenta, cheias de conflitos e melodramática. Muitas vezes, as obras se passam nas periferias de Campo Grande ou na zona rural, sendo nítida a abrangência de componentes do cinema de faroeste. Aqui surge o discurso geográfico. Em nenhum momento dos filmes pensamos estar vendo alguma produção hollywoodiana, mas sim uma resposta social e cultural do cinema amador, tudo sob intervenção de uma identidade local.
Existe uma diferença entre o cinema sul-mato-grossense e o cinema que apenas se passa no estado. Há diferentes maneiras de se representar uma região no audiovisual, já que esse tipo de mídia também pode se tornar uma disputa narrativa. Historicamente, o filme de fato feito aqui busca exibir tramas características do estado, isto é, questões realmente vividas pela população. É interessante perceber as diferenças, tanto em linguagem como em conteúdo das obras feitas nos centros de poder que retratam o Mato Grosso do Sul e a produção regional.
Certamente, essa diferença não escapa dos velhos estereótipos. As tramas ainda envolvem em seu núcleo central o tráfico de drogas, como é o caso dos filmes Cabeça a Prêmio e Em Nome da Lei. Dificilmente veremos uma produção de fora retratar uma intriga cotidiana da região. Em contraponto, o cinema sul-mato-grossense explora o cotidiano do território, estabelecendo um conceito presente na construção midiática do estado que é o de uma região percebida para uma região vivida.
O cinema do Mato Grosso do Sul passa por uma autoafirmação de sua cultura popular, buscando encontrar uma forma de expressão cultural que, assim como em outras formas de construção midiática, também é um setor tradicionalmente excluído.