É impossível falar da história e arte sul-mato-grossense e não falar da família Baís, Lídia Baís ou Morada dos Baís. Então, mais uma vez, você vai ler algo sobre eles, mas provavelmente não da forma que está acostumado. Assim como Lídia Baís, gosto de me colocar em minhas produções, então peço licença ao/à caro/a leitor/a, pois mesmo sem possuir o nome Baís, irei me incluir neste texto.

Quando era pequena, ou melhor, criança, pois pequena ainda sou, conheci Lídia e nada tirava da minha cabeça o quanto éramos parecidas e que talvez eu pudesse ser uma reencarnação dela. Afinal, nós duas éramos jovens que contemplavam diversas manifestações artísticas, que eram consideradas loucas pelas famílias e além dos seus tempos, ou no meu caso, resolvida demais para sua idade.
Não fui trancada em um manicômio pelo meu pai e obrigada a casar para sair de lá. Também não precisei fugir de casa para buscar meus sonhos. Mas sou filha dessa terra e, mesmo antes de conhecer Lídia, tinha para mim que um dia faria com que meus feitos fossem a glória da minha família, assim como sua famosa frase “por minha causa vocês ficarão na história”. Ainda estou muito longe de trazer alguma glória a alguém, mas com o passar da idade e o entendimento de quem sou neste país desigual, percebi que, infelizmente, o caminho que Lídia percorreu é bem diferente e bem mais largo do que terei que percorrer. E este é o ponto que quero chegar. Apesar de 122 anos de distância entre nós, Lídia passou a vida lutando pela sua liberdade, e eu vivo lutando pelo meu espaço.
Lídia era filha de uma das famílias mais ricas do estado, morou na primeira mansão da capital e tinha todos os privilégios que a pele clara oferece. Já eu, faço parte dos 358 mil campo-grandenses com CadÚnico, moro em uma das partes nada valorizadas da cidade e tenho a pele escura que de vez em sempre fecha algumas portas.
Não quero diminuir as conquistas de Lídia, mas não posso deixar de evidenciar, para te fazer pensar que mesmo que estes 122 anos não existissem, e eu vivesse na época dela ou ela na minha, nenhuma das duas estaria lutando e representando uma a outra. Pois em 1900, mulheres como eu, lutavam por um trabalho digno, lutavam para serem vistas como algo a mais do que meras empregadas domésticas. E mulheres como Lídia, na minha época, mesmo que lutando contra problemáticas importantes ainda presentes, estariam fazendo isso em seus tempos livres, entre suas viagens para o exterior, focadas no autoconhecimento.
Lídia foi revolucionária e ousada para sua época. Sua história ainda impacta. Nesse ano comemorativo dos 100 anos da ‘Semana de Arte Moderna’ de 1922, dizem que sua arte é uma das poucas do estado que encontrou o caminho dos modernistas. Ela passou por várias religiões, não seguia regras, se casou e pediu divórcio depois de cinco dias, se pintou ao lado de Jesus, fez uma exposição de 10 dias no Rio de Janeiro, foi para Europa, se relacionou com homens e mulheres, escreveu livros e músicas, fez o que lhe deu na telha durante todo o século XX, em um país/estado que até hoje é considerado conservador e machista. E eu? Ainda nem consegui colocar o pé para fora do MS.
Então, mesmo que eu seja a reencarnação da pequena grande mulher chamada Lídia, nessa pequena grande mulher chamada Morris, sinto em dizer que ainda seguimos sem religião, experimentando múltiplas expressões artísticas, se relacionando com homens e mulheres, e contrariando várias vezes a família e a expectativa social. E o autoconhecimento que tanto buscávamos e que nos aproxima, ao mesmo tempo mostrou que não posso me enganar e achar que somos parecidas. As medidas que nos aferem são diferentes.