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Opinião 98

Nas redes dos desertos de notícia

Cadu Fernandes


Certamente, quando pensamos na imprensa interiorana, na relação de proximidade entre a informação e a construção das identidades culturais, percebemos sua importância na criação de vínculos de pertencimento entre um cidadão e sua área. O jornalismo hiperlocal oferece, então, uma forma da população se sentir conectada ao seu território.

Ilustração: Lucas Sorio

Entretanto, o Mato Grosso do Sul sofre com a falta de veículos jornalísticos no interior. Segundo a última atualização do Atlas da Notícia – site responsável por mapear veículos jornalísticos no Brasil – em 2020, contando jornais impressos, rádio, televisão e sites, 34 municípios possuíam apenas dois veículos ou menos – a maioria já em estado precário. Tal situação evidencia a ameaça dos chamados “desertos de notícia”, termo referente a locais sem um veículo independente de jornalismo, ou seja, algum jornal sem vínculo com órgãos estatais.

Territórios com essa característica possuem a problemática de sua vida social não ser pautada pelas práticas jornalísticas, originando algumas peculiaridades, como a falta de fiscalização do poder público e a carência da população no que diz respeito ao convívio com sua comunidade. Dessa forma, a população tende a buscar outras maneiras de conseguir e produzir informações locais, é o caso dos grupos do Facebook.

O Facebook tem sido crucial para o compartilhamento de informações, especialmente durante a pandemia da Covid-19, em um número crescente de áreas onde os jornais foram fechados. A ausência de uma identidade jornalística, com responsabilidade e apuração própria, transformaram os grupos em centros de desinformação, disputa partidária e vigilantismo. O Facebook não exatamente matou as notícias locais, mas certamente alterou a dinâmica jornalística. É um papel que a própria rede social reconheceu e tentou corrigir ao doar, em 2019, US$400 milhões para programas de notícias locais.

Em Mato Grosso do Sul, estima-se que, das 79 cidades, 55 possuem menos de 25 mil habitantes. De certo, isso nos faz refletir: até que ponto o distanciamento do indivíduo dos centros de poder influencia seu exercício concreto de cidadania? A solução desse tema passa pelo jornalismo de proximidade, afinal o conhecimento adquirido é a principal ponte entre as condições básicas de participação e a ação cívica, mesmo que na sua instância regional.

Porém, a falta de um veículo jornalístico institucionalizado e a presença de outros produtos noticiosos nas redes sociais mantém as localidades como um deserto de notícias? É difícil responder essa questão já que certamente as interações na internet representam uma forma da população se conectar à sua comunidade, ajudando na comunicação comunitária. No entanto, esse novo ecossistema informacional pode abrir precedentes perigosos e um dos exemplos mais claros são as fake news, que consistem em uma distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou mesmo nas mídias sociais.

O grupo de informação comunitária criado no Facebook pode ser mais sutil e, de certa forma, mais insidioso, aparentemente é mais confiável. A desinformação – compartilhada de boa-fé pelos vizinhos, espremida entre acontecimentos locais legítimos e supervisionada por um membro da comunidade sem treinamento, mas com boas intenções – ainda é capaz de trazer problemas à comunidade.

A cidade de Nioaque, localizada no interior de MS, recorreu a um desses grupos. Entretanto, a alternativa à falta de notícias locais logo caminhou para uma espécie de grupo de classificados, no qual o grande número de integrantes sem uma intervenção – que no caso de um veículo tradicional seria feita pelo editor-chefe – criou um grupo utilizado para venda de produtos.

Em vista disso, o Mato Grosso do Sul se torna um campo apropriado para analisar as dinâmicas desse novo ecossistema, já que o Estado, fora dos centros de poder, possui diversas pequenas cidades ameaçadas com o fim de veículos jornalísticos. As redes sociais podem ajudar na prática da comunicação comunitária e no desenvolvimento da cidadania, visto que proporcionam discussões que nem sempre têm voz nos periódicos tradicionais. Entretanto, ainda assim, existe um longo caminho a percorrer em busca de um trabalho de qualidade.