Cadu Fernandes
Uma dinâmica comum do nosso sistema econômico é tentar ocultar dos consumidores o conhecimento sobre a cadeia produtiva das mercadorias que chegam às nossas mesas. Aliado a isso, uma campanha do agronegócio constrói no imaginário popular a ideia de que o latifúndio “é a indústria de riqueza do Brasil”. Portanto, questionar o agro seria como colocar-se contra o crescimento e o desenvolvimento do país.

Palco de conflitos indígenas e disputas por território, Mato Grosso do Sul têm a maior concentração de terras particulares do país com 92%. As terras indígenas ocupam 2,2%; os assentamentos 1% e os grandes latifúndios formam 83% do estado. Os dados são do Atlas Agropecuário de 2020. Tudo isso contribui para uma forte identidade agro que paira no MS.
Um traço comum a todas as propagandas exibidas na TV é enfatizar a aparência produtiva e moderna dos latifúndios do agronegócio. Nas campanhas procuram destacar os empregos que o agro proporciona, mas silenciam intencionalmente as condições e relações de trabalho que se desenvolvem nas lavouras e usinas. Cabe ressaltar que, de acordo com dados divulgados pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Mato Grosso do Sul é o 3º estado com mais resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Outro elemento atrelado aos latifúndios é o uso massivo de agrotóxicos que permite a conversão da produção agropecuária em commodities. Um relatório publicado no mês de abril deste ano pela ONG Public Eye, apontou que 32% dos produtos classificados como “extremamente tóxicos”, produzidos pela Syngenta, são consumidos no Brasil.
Na parte central de toda esta engrenagem estão as multinacionais do veneno que despejam toneladas de agrotóxicos em terras brasileiras, já que em seus próprios países a comercialização desses produtos não é permitida.
De certa forma, produtores de herbicida fazem do Brasil e da América Latina o quintal para onde escoam sua produção e retiram seus lucros. Segundo o Ibama, as compras do Carbendazim – um tipo de agrotóxico amplamente comercializado no Brasil, mas proibido na Europa – chegaram a 4,8 mil toneladas em 2018.
Nosso país ocupa o lugar de maior consumidor mundial de agrotóxicos e isso não é à toa. Mas sim devido a um modelo ligado à economia mundial que coloca o Brasil no lugar de produtor e exportador de commodities. Temos um dos maiores rebanhos bovinos do planeta, uma extensão de terras agricultáveis colossal, mas focamos a maior parte da produção agrícola para exportação e não para permitir o maior acesso da população aos alimentos.
Além disso, o Brasil segue distante de uma soberania alimentícia, principalmente devido a arquitetura econômica que privilegia o latifúndio em detrimento daquilo que realmente abastece o mercado interno: a agricultura familiar.
Segundo o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agricultura familiar do Brasil abrange 3.897.408 estabelecimentos rurais. São 77% dos estabelecimentos agrícolas do país, ocupando mais de 10 milhões de pessoas (67% do total recenseado), responsáveis por parcela expressiva da oferta dos alimentos básicos da mesa dos brasileiros. Agricultores familiares respondem por 11% da produção de arroz, 42% do feijão preto, 70% da mandioca, 71% do pimentão.
De acordo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro), a agricultura familiar foi responsável pela comercialização de mais de 1,3 mil toneladas de 138 tipos de produto em Mato Grosso do Sul no ano de 2021.
Existe um constante descrédito do debate acerca da qualidade dos alimentos, do alimento orgânico e da luta de organizações que possibilitam um caminho alternativo além do sistema produtivo vigente. A prática de estado agroexportador passa pela depreciação do lugar do campesinato na sociedade contemporânea.
É preciso ter clareza de que a luta ambiental e econômica é também a construção e a resistência pela busca da soberania alimentar, que passa necessariamente por um novo projeto de produção agrícola. Isto é, uma dinâmica que apoie a agricultura familiar, que não promova o desmatamento e a expropriação de camponeses. Afinal, o agro não é pop.