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Opinião 93

O Brasil não merece o nordeste

Texto: Patrick Rosel

O despertador toca mais cedo. O menino não estava acostumado a acordar naquele horário, principalmente em manhãs frias. De sua casa em um bairro nobre no Sudeste do país, já era possível ouvir o barulho da cidade. As malas estavam prontas, mas parece que sabiam que se atrasariam. Mal tiveram tempo para o café da manhã. Sempre apressados como se nunca tivessem tempo para nada, saíram às pressas, pois o carro já tinha chegado. Sua mãe e o motorista se cumprimentaram rapidamente. Apesar de animada ela parecia nervosa. Em direção ao aeroporto, o menino olhava pela janela uma paisagem já familiar, uma vez que nasceu e cresceu ali. Grandes prédios cinzas iam em direção ao céu nublado. No horizonte, como de costume, carros e motocicletas estagnadas. O ruído de buzina vinha de todos os lados.

“Chegamos!”, disse o motorista meio ríspido. A mulher pegou as malas e em passos apressados arrastou o menino para dentro do aeroporto. Ele conhecia aquele lugar, mas quase não se lembrava. Dentro do avião as poltronas eram grandes e o ar gelado. As pessoas pareciam distraídas olhando para seus celulares, exceto sua mãe, que tinha um olhar preocupado. De repente uma voz robótica começou a passar uma série de instruções, acompanhadas da aeromoça que fazia gestos em forma de mímica. 

Em algumas horas estaria num lugar do qual sempre ouviu falar. Começou a lembrar dos momentos em que sua mãe falava com saudade e brilho nos olhos de sua infância no interior do Nordeste, “terra de gente boa”, dizia ela.

Ao chegare, um senhor de vestimenta pouco sofisticada, mas de cara muito simpática, esperava por eles. Quando olhou para sua mãe viu seus olhos marejados e um sorriso que ia de orelha a orelha. O menino podia apostar que era outra pessoa. Em instantes estava abraçando aquele que dizia ser seu avô. 

Abraço. Isso não era muito frequente de onde vinha. 

Tomaram uma estrada. No caminho, avistava uma paisagem completamente diferente. Sem muitos prédios e com casas simples. O carro desviava dos buracos na estrada. Havia gente sentada em cadeiras de balanço na calçada e crianças correndo na rua. Ao ver aquilo sorriu. Ele nunca tinha permissão para brincar na rua. Diziam que era perigoso. “Não parece perigoso aqui”, pensou ele. 

Ao chegar se deparou com uma casinha simples pintada de branco e rodeada por uma pequena cerca feita com estacas de madeiras fincadas no chão. No quintal, pés de árvores frutíferas rodeavam a casa, tornando a paisagem mais aconchegante. O garoto ficou admirado com os pássaros. Era a primeira vez que via, ao vivo, animais daquela espécie. Esse era o lugar do qual sua mãe sempre lhe contava histórias felizes da infância. Apesar de muito simples, a casa era grande e fresca. Na cozinha, uma mulher diante de um grande fogão a lenha cantarolava e preparava o almoço. Era sua avó. Emocionada, a senhora lhe abraçou e estralou um beijo em sua bochecha, passando a mão em seus cabelos como se quisesse ver seu rosto melhor. Ele estranhou o ato, mas poderia facilmente se acostumar com aquilo. Como todos ali, ela tinha a aparência cansada, mas o sorriso descontraído. 

Semanas se passaram e tudo era tão diferente. Naquele lugar o povo acordava cedo, muito cedo, antes mesmo do sol nascer. Comiam um pouco de qualquer coisa e iam trabalhar sob o sol quente. Pouca diferença tinha se era terça-feira ou domingo. Raramente paravam de trabalhar. Mas os dias de festa junina eram a maior farra. A casa enchia de gente alegre falando alto, exaltando a chance divina de estarem vivos em mais um ano. Comemoravam tudo com comida, fogueira, música e um arrasta pé que ia até o amanhecer. 

Um dia antes de partirem, arrumando as malas, sua avó respondeu aos questionamentos de sua mãe sobre continuar vivendo ali: “Nos dias de hoje as coisas estão melhores, foi época em que não tinha água, luz, muito menos asfalto. Mas a gente não se lamentava não, viu. Que nem você, muita gente saiu daqui com o coração partido que só pra buscar vida melhor na cidade grande. Um tempo depois as coisas começaram a melhorar. Veio um cabra aí, disse que era político, fez muita coisa boa, deu oportunidade… quem é do Nordeste sabe”, disse com olhar reflexivo.

No dia de partirem, acordaram cedo como de costume. Na mesa o café da manhã de despedida. Sua avó manuseava as panelas gastas de aço e seu avô sentava-se à mesa segurando uma caneca fumegante enquanto ria das próprias piadas. Olhando para eles o menino via como era a vida naquele lugar. Como as coisas passavam devagar e isso estava muito longe de ser um problema. A gentileza e o cuidado com o outro eram a regra. A simplicidade não significava nada, mas ao mesmo tempo significava tudo. Por isso o menino via o sorriso no rosto de um povo que apesar das dificuldades e dos sofrimentos conseguia ser feliz.