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Reportagem 95

O crescimento dos eSports

Esportes eletrônicos estavam em alta há algum tempo e, com a pandemia, o mercado foi impulsionado

Texto e Fotografia: Gabriel Neri (gabrielneri17@outlook.com.br) | Leandra Mergener (lemerg1211@gmail.com)


Com a quarentena imposta no Brasil e no mundo devido à pandemia de coronavírus, campeonatos de futebol, vôlei, basquete e até Fórmula 1 foram cancelados ou adiados por trazerem risco de disseminação do vírus. Além da esfera profissional, também os campeonatos universitários e até mesmo aquela partida de futebol ou vôlei entre amigos nos finais de semana deixaram de acontecer.

Ilustração: Maria Fernanda Martins

Na medida que foi necessário ficar em casa, muitas pessoas passaram a assistir ou praticar mais os jogos eletrônicos. Conhecidos como eSports, eles abrangem diversos gêneros, desde os simuladores de esporte – como Pro Evolution Soccer, FIFA e NBA2k – aos jogos de tiro – como Counter-Strike – e podem ser também divididos entre aqueles que aceitam apenas um jogador por partida – single player – e os que aceitam diversos jogadores – multijogadores ou multiplayer, como o League Of Legends.

A previsão da empresa de pesquisa Newzoo, especializada no mercado de games, indica que o setor de games na América Latina deverá crescer 10,3% em 2020 na comparação anual, gerando US$ 6 bilhões em receita. Também está previsto que o faturamento do segmento deve chegar a US$ 8 bilhões até 2023. De acordo com a Twitch Tracker, ferramenta de estatísticas da Twitch (site de streaming), a média de pessoas que assistem ao conteúdo da plataforma foi de 1,1 milhão em março de 2019 para 2,8 milhões de usuários em março de 2020.
Seja em sua face amadora e voltada ao entretenimento, como na profissional ou competitiva – os eSports – os jogos eletrônicos sofreram mudanças em função da Covid-19. Alguns eventos surgiram para suprir a falta de jogos com presença de público e outros tiveram de se adaptar totalmente. Isso pode ser visto em campeonatos universitários e competições profissionais, que passaram a ser realizadas online.

Atléticas se reinventam

As associações atléticas acadêmicas de universidades públicas ou particulares costumam realizar campeonatos esportivos durante alguns dias ou semanas a cada ano, que além dos jogos proporcionam também muita interação e diversão entre os estudantes. Mas para acontecer em 2020 esses eventos tiveram de ser adaptados.

Na Universidade Estadual de Maringá (UEM), os tradicionais Jogos Inter Atléticas (JOIA) aderiram aos jogos eletrônicos. Segundo a estudante Marcela Galassi, 26, “a idealização do nosso e-games surgiu da necessidade que tínhamos em não deixar a liga parada durante toda a pandemia. Fizemos algumas ações de doação, mas mesmo assim sentimos a necessidade de ter alguma competição e continuar fomentando o esporte”. Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), Xadrez, Poker, Brawl Stars, Clash Royale, FIFA e League Of Legends (LOL) foram os jogos escolhidos para compor o JOIA versão eSports.

Por mais que o número de atletas tenha diminuído por conta da menor variedade de modalidades, Galassi afirma que o envolvimento foi grande: “a participação da torcida nos surpreendeu muito. Em todas as modalidades foi bem maior do que esperávamos”. Segundo ela, algumas partidas receberam mais de 300 espectadores simultâneos.

Algo semelhante foi feito pelas atléticas de Engenharia Química das universidades federais de São Paulo, que anualmente realizam a Copa EQ com futsal, handebol, vôlei e basquete. “Resolvemos trazer os jogos online para o torneio, contando com 13 diferentes. Jogos mais competitivos como LOL, CS, Valorant, FIFA, e alguns jogos mais para diversão e integração das universidades como Stop, Gartic, Among Us, entre outros”, conta o estudante da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Henrique Rissato, 20. As partidas receberam em torno de 40 a 60 espectadores nos jogos mais populares chegando a 113 na final do Valorant. “O chat sempre movimentado, com provocações das torcidas, pessoal conversando sobre o jogo, etc. O pessoal tava bem presente”, diz Henrique.

No decorrer das competições houve alguns empecilhos. Na Copa EQ o maior problema foi a denúncia de que outra pessoa ocupava o lugar do jogador oficialmente registrado. ”Tivemos que ser mais rígidos nas fiscalizações de cada partida a partir disso”, conta Henrique. Já durante o JOIA, os problemas estiveram relacionados à internet necessária para a realização dos jogos. “No primeiro dia de competição, estávamos realizando o CS:GO e caiu uma árvore em uma rua do bairro que concentra a maior parte dos universitários de Maringá. No outro dia, momentos antes da final da modalidade caiu o servidor do jogo e a final teve que ser adiada para o próximo final de semana. Pequenos problemas, mas nada que atrapalhou muito o decorrer dos jogos”, relata Marcela.

Ilustração: MARINA COZTA

Para 2021, ambos os campeonatos projetam que os eSports sejam adicionados às modalidades tradicionais. Henrique afirma que a comissão organizadora viu muitos pontos positivos. “Ainda não definimos se vai existir ou não novas edições apenas de jogos onlines, e a ideia que achamos mais legal seria agregar alguns desses jogos online mais competitivos para o nosso torneio com as modalidades de quadra”. Já Marcela diz que as opiniões acerca do JOIA versão eSports ainda estão divididas: “não chegamos a uma conclusão sobre o futuro do e-games. É uma questão muito boa a se pensar visto que consegue atingir um público diferente e que não tem o costume de participar de jogos presenciais”.

eSports em Campo Grande

Com a falta de campeonatos de eSports na região da capital sul-mato-grossense, Marcelo Eliandro, 21, e Salatiel Augusto, 21, amigos e sócios na empresa de design gráfico Robô Criativo, decidiram criar a Pantanal Cup. O evento teve sua primeira edição realizada em junho deste ano com a participação de atléticas universitárias e times formados por amigos, que disputaram partidas de League Of Legends. “Nós queríamos participar de campeonatos grandes, só que não tem aqui na nossa região. Aí a gente pensou ‘pô, por que nós não criamos um campeonato?’. Como estamos na pandemia, facilitaria um pouco porque seria 100% online, a galera poderia participar de casa mesmo e rolaria transmissão, tudo certinho”, conta Marcelo.

A transmissão foi feita do quarto de Marcelo, e a narração dos jogos ficou por conta dos amigos, Marcos Espíndola e Gustavo Arruda. “Tinha duas telas, uma que transmitia o jogo em tempo real e a outra com delay (atraso) de dois minutos que é o mesmo delay que o público assistia, para ter uma noção boa para passar para o público do tempo certo de narração. Tinha os aparatos para a captação e transmissão, uma câmera para captar imagens dos narradores, e uma placa para transmitir, iluminação, um microfone para os narradores” conta Marcelo. Nos dois dias de jogos, chegaram a alcançar duas mil e quinhentas visualizações e até 250 pessoas assistindo simultaneamente um jogo.

Ele avalia que alguns pontos, como a interação com o público, precisam ser melhorados, mas conta que já estão organizando as próximas edições. “Para 2021 a gente organizou – se tudo der certo, se tiver encerrado a pandemia – a Pantanal Cup de forma presencial. Mesmo esquema de jogos, só que presencial, com estrutura. Todo o local para a galera acompanhar os jogos, que é o nosso objetivo maior”.

Cenário profissional na pandemia

O lado profissional dos jogos eletrônicos também teve de se adaptar ao ‘novo normal’ imposto pelo coronavírus. O jogador profissional de PES – Pro Evolution Soccer, um game de futebol – , Henrique Mesquita, 19, conhecido como Henrykinho, e o de CS – Counter-Strike, um jogo de tiro – Leonardo de Oliveira, 20, destacam que sentiram algumas mudanças, como o aumento da visibilidade e alterações nos formatos de competições durante a pandemia.

A franquia PES celebrou 25 anos em 2020

Também nesse ano alguns clubes de futebol famosos como o Cruzeiro, Flamengo e Santos entraram na Liga Brasileira de Free Fire, pegando carona no crescimento do mercado de jogos. Além disso, o clube mineiro, em parceria com a E-Flix eSports, investiu R$ 4,4 milhões para entrar no Campeonato Brasileiro de LOL. Ao todo, segundo a Newzoo, empresa que faz análise de mercado de eSports, os jogos eletrônicos movimentaram no Brasil em 2019 cerca de 9 bilhões de reais, o que coloca o país como o 13º maior mercado gamer entre 30 países pesquisados.

Henrykinho conta que os torneios de futebol virtual que estavam sendo realizados de forma presencial tiveram de migrar para o online. Um exemplo dessa mudança é o eBrasileirão, promovido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que terá apenas a rodada final com jogadores presentes no mesmo espaço. Mas nem todos conseguiram se adaptar. No cenário internacional, o eFootball Pro, que é uma competição europeia, foi cancelado.

Assim como o PES, o CS teve mudanças nas competições, gerando câmbios na dinâmica dos jogos. “Os campeonatos que costumávamos jogar tiveram que ser cancelados e [passaram a ser] feitos estritamente online, e isso muda completamente o tipo de competitividade e disputa de jogos, pois a atmosfera de uma LAN [espaço onde é realizado um torneio promovido de forma presencial] é diferente e única”. O caso que melhor exemplifica a falta de adaptação ao online é o do campeonato de ESL One Rio 2020 CS:GO Major, que seria jogado no Brasil e foi cancelado por conta da impossibilidade de ser realizado presencialmente.

Ambos os jogadores dizem ter notado um maior interesse do público pelos eSports durante a pandemia. Henrykinho também percebeu que há mais pessoas jogando, mas que ainda há pouco investimento no Brasil: “Isso dá muita visibilidade. Acho que o que falta mesmo é um calendário para os clubes poderem investir, porque o receio que os clubes têm é de entrar ‘e beleza, a gente vai jogar qual campeonato?’”. Já Leonardo avalia que os jogos eletrônicos estão se tornando a principal forma de entretenimento das novas gerações.

O físico e o mental dos jogadores

Assim como nos esportes tidos por tradicionais, os eSports também exigem muito do lado físico e emocional dos jogadores. A longa exposição às telas, o grande tempo na mesma posição, os movimentos repetitivos e a pressão de uma partida podem causar danos graves à saúde dos praticantes dos esportes eletrônicos.

Por isso, um acompanhamento especializado, aliado a uma regulação de quanto tempo se joga, é importante tanto para semiprofissionais – caso dos universitários – quanto para os profissionais, prevenindo lesões físicas e problemas mentais.

Lado físico

Segundo a fisioterapeuta esportiva, Emily Soares, 28, o corpo utiliza uma grande quantidade de músculos quando se está jogando, seja no computador, celular ou em console (PlayStation, Xbox e Nintendo). Os principais são os das mãos, punho, cotovelos e coluna.
A área da saúde que estuda as lesões provocadas pelo jogo é a Fisioterapia do Trabalho, que atua tanto na prevenção quanto na reabilitação dos efeitos causados pela má postura e movimentos repetitivos.

E se no curto prazo o jogador sente somente dor, a longo prazo podem ocorrer problemas mais graves com a fragilização de um tendão ou mesmo seu rompimento. Segundo a fisioterapeuta todas as lesões “podem gerar muita dor e fazer com que essa pessoa precise ficar afastada da sua função para conseguir êxito no tratamento”. Além dos possíveis danos aos tendões há também os problemas na coluna. Emily Soares explica que o corpo se adapta de forma inconsciente para ‘favorecer’ determinada função, como a de jogar eSports. “Todas essas alterações vão acarretar possíveis perdas de função e dor!”, alerta a especialista.

A prevenção é a melhor forma de evitar os problemas, explica a fisioterapeuta. Além disso, inserir pausas de cinco a dez minutos após as partidas ajudará o corpo a não sentir de forma tão intensa os efeitos do tempo, da pressão, da postura e dos movimentos necessários a cada jogo.

Lado psicológico

O psicólogo especialista em eSports, Claudio Godoi, 32, tem o trabalho voltado à busca pelo alto rendimento dos atletas, ou seja, quais maneiras podem levar o jogador a “performar melhor, ter uma concentração melhor e fazer melhor a atividade que faz”, explica.

De acordo com ele o atleta de eSports tem o mesmo modo de pensar e agir que um jogador profissional de outro esporte convencional. “As decisões, as pressões e o funcionamento são semelhantes aos de atletas de futebol, vôlei, basquete. A diferença é que a modalidade que ele pratica é intermediada por um computador”, exemplifica.

Um dos efeitos da pandemia de coronavírus, segundo o especialista, foi o de impossibilitar um acompanhamento pessoal. Atuando no suporte a jogadores de diversas modalidades profissionais de eSports, Godoi diz que o trabalho antes acontecia de forma presencial, e agora é mediado por computador e internet. “Mudou muito mais a minha forma de trabalho do que o treinamento deles”, completa.

Em caso de esportes coletivos, primeiro é feito um trabalho com toda a equipe para somente depois realizar ações individuais. Segundo ele, existem várias dinâmicas individuais e coletivas para os atletas: “se acontece algum caso de depressão, um burnout (esgotamento mental), algo patológico, isso é encaminhado para fazer um acompanhamento na área de saúde específica para essa situação que aconteceu”.

Tudo de forma excessiva faz mal e com os eSports não é diferente. “O jogador [de eSports] também precisa regular a quantidade de horas que ele passa treinando.”, indica Claudio Godoi. Os principais sinais vistos quando a prática está em excesso é a ansiedade, insônia, irritabilidade e pouca interação social.

As melhores formas de prevenção, segundo o psicólogo, são o acompanhamento por fisioterapeuta ou profissional de saúde, a prática de exercícios físicos e a regulação do tempo que se passa jogando.

Nomes dos jogos – Veja em ordem alfabética o que é cada um dos citados

Among Us: é um jogo que se passa em um cenário espacial, onde cada jogador desempenha um de dois papéis, sendo a maioria tripulantes e um número predeterminado sendo impostores. O objetivo dos tripulantes é identificar os impostores e/ou completar as tarefas ao redor do mapa, enquanto o objetivo dos impostores é eliminar os tripulantes.

Counter-Strike (CS): é jogo eletrônico de tiro em primeira pessoa, baseado em rodadas nas quais equipes de contraterroristas e terroristas combatem-se até a eliminação completa de um dos times. O objetivo principal é plantar e desarmar bombas, ou sequestrar e salvar reféns.
FIFA e Pro Evolurion Soccer (PES): são duas séries de jogos de futebol, lançados anualmente pela Electronic Arts (EA) sobre a chancela EA Sports e Konami respectivamente.

Garena Free Fire: é um jogo mobile de tiro no estilo ‘todos contra todos’, colocando até 50 jogadores numa ilha e estes precisam encontrar, rapidamente, armas e equipamentos para tentar sobreviver e eliminar outros jogadores.

League of Legends (LOL): é um jogo onde os jogadores assumem o papel de “invocadores”, que controlam campeões (personagens), que formam um time e lutam contra o time adversário de outros invocadores ou controlados pelo computador. No modo mais popular do jogo, o objetivo de cada time é destruir o nexus (uma construção) da equipe adversária.

NBA2K: é uma série de jogos de basquete produzidos do campeonato norte-americano (NBA) publicado pela 2K Sports.

Valorant: é um jogo multijogador de tiro em primeira pessoa desenvolvido pela Riot Games.