Carlos Eduardo Ribeiro
Em A Vida de Galileu, uma peça escrita por Bertolt Brecht entre 1937 e 1938, o personagem de Galileu diz a frase “Miserável país aquele que precisa de heróis”. Esse trecho tem sido vítima de nossa rica língua que recria palavras e representações, portanto não é incomum ouvirmos ou lermos a frase “Miserável aquele país que não tem heróis”. Seja pela forte relação com a oralidade, ou mesmo em função de nosso contexto, a frase foi alterada. Mas entre precisar de heróis ou tê-los vai uma distância muito grande.
A história do Brasil mostra que somos uma nação que sempre teve a necessidade de heróis. As feridas de um país machucado sangram enquanto as massas buscam uma figura que estanque suas dores e é no contexto da luta popular que temos nossas maiores referências.
Mas a ideia da figura inspiradora também é espaço de disputa ideológica, como, por exemplo, a construção midiática de um juiz imponente que combate criminosos e não tem medo dos corruptos. Ou pelo apagamento de uma figura histórica como Carlos Marighella, intelectual e guerrilheiro urbano assassinado por agentes da ditadura militar em 1969.
De forma tragicamente didática, o Brasil possuí inúmeras pessoas que morreram se opondo às barbáries repressivas que permeiam o Estado. Carlos Marighella foi uma delas. Sua história, muitas vezes rebaixada à de um terrorista, permanece no imaginário popular. Referenciado em algumas produções como a música Mil Faces de um Homem Leal do Racionais MCs ou no filme de Wagner Moura que leva o nome do personagem como título, Marighella ainda reverbera nos ambientes progressistas.
Há muitas outras figuras inspiradoras na história recente do nosso país. Entre elas podemos citar o jornalista, professor e dramaturgo Vladimir Herzog. Nascido na antiga Iugoslávia (em território onde hoje é a Servia), quando pequeno teve sua casa invadida por nazistas e se refugiou na Itália. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, veio para o Brasil. Mas não se livrou das perseguições e aqui também conheceu o expediente repressivo do aparato ditatorial. Com um jornalismo afiado, seu trabalho representava um caráter fortificador do processo de oposição e logo chamou a atenção dos que colocavam fogo no país. Seu assassinato ocorreu no dia 25 de outubro de 1975, nos porões do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, ao negar trair seus
companheiros.

Um ponto em comum a todos os heróis populares é que ele permanecem vivos após a morte do ser humano. E eles não só vivem como também perturbam. Incomodam uns e estimulam outros.
Porém, o herói popular não é o mesmo herói do conceito burguês de representação visto nos filmes e romances. Talvez nem herói ele seja, como bem explorado por Mario de Andrade em Macunaíma. Afinal de contas, assim como no célebre romance modernista, a ideia de caráter elevado é rompida, quase que de forma anti-heroica. E tal qual no romance, o herói popular não se permite ser essa figura moralizante.
Entretanto, existe um fator que intensifica a representação do heroísmo em um indivíduo: a sua morte. Porém, o mártir como personagem modelo em uma visão romantizada não é o ideal, já que podemos cair em uma naturalização perigosa dos motivos que o levaram ao fim. Antes de tudo o indivíduo que serve de referência na luta popular é um herói devido às suas ações e é em função delas que essas figuras merecem um lugar cativo na memória nacional. Porém, talvez em virtude dessa associação com o herói dos filmes e romances, ou até mesmo com a religião, a morte não escapa de ser um elemento significativo. Afinal, o santo só é santo porque sabe morrer.