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Opinião 98

O “Pantanal” nas telas

Kadu Bastos


“Pantanal” está nos lares brasileiros desde o final de março. A novela que mexeu com o imaginário do público 32 anos atrás, criada então por Benedito Ruy Barbosa, retornou às telas com uma nova versão exibida no horário nobre, agora escrita por Bruno Luperi. A história de tradições familiares junto ao romance e misticismo cercado pelo bioma pantaneiro, traz Mato Grosso do Sul, outra vez, ao cenário nacional. Chama a atenção a nova abordagem da novela em relação aos impactos ambientais no Pantanal e a atualização da obra no que se refere aos temas sociais e culturais contemporâneos no ambiente conservador do interior pantaneiro. Machismo e homofobia, por exemplo, acontecem, mas agora são rebatidos, principalmente por personagens mais jovens.

Ilustração: MARINA COZTA

A trama inicia com Joventino (Irandhir Santos) e seu filho José Leôncio (Renato Góes, na juventude, Marcos Palmeira na maturidade), peões de comitiva de gado, que chegam no Pantanal. José Leoncio assume o legado do pai no comando da fazenda. Em viagem ao Rio de Janeiro, ele conhece Madeleine (Bruna Linzmeyer/Karine Teles) por quem se apaixona, se casa e tem um filho. Jove (Jesuíta Barbosa) nasce na fazenda, mas insatisfeita Madeleine retorna para o Rio levando o filho do casal. Anos se passam e o retorno de Jove, agora adulto, é esperado. Paralelo a isso, o lado místico da novela é apresentado na história de Maria e Juma Marruá (Juliana Paes e Alanis Guillen), e do Velho do Rio (Osmar Prado).

Esse lado misterioso da trama ainda cai no gosto do público. As cenas em que Maria e Juma viram onça repercutem. Prova disso, é que a novela vem quebrando seus próprios recordes de audiência, registrando o melhor Ibope do horário desde 2015. Outra característica marcante da repercussão na geração atual, são os memes, satirizando situações, principalmente em relação a Jove que se atrapalha para tentar se adequar ao ambiente pantaneiro. Além disso, a situação atual do país, com inflação alta, cultura sem ministério e a volta da novela na TV aberta, gera ironias na internet de que voltamos à década de 1990, quando a primeira versão foi exibida.

Com orçamento milionário, “Pantanal” é a telenovela mais cara da Globo até então. O investimento é observado nas cenas das paisagens do bioma que parecem saltar da tela. Parte dos locais foram filmados em seis fazendas na bacia do rio Negro, próximo a Aquidauana. No entanto, falta especificar qual Pantanal estamos vendo. O bioma possui 11 microrregiões com características naturais variadas. Além disso, é muito citado, na fala dos personagens, o ciclo das águas, as cheias e vazantes, mas ainda não vimos uma cena que representasse esse aspecto da maior planície alagável do mundo.

O peão pantaneiro é representado nas cenas da rotina na fazenda e nas rodas de viola. As canções de Almir Sater “Comitiva Esperança”, “Boiada”, “Chalana” e de Sérgio Reis “Cavalo Preto”, presentes na trama, embalam as cenas e retratam um pouco da cultura tradicional. Parte dessas canções são cantadas pelo próprio Almir Sater que retorna ao elenco, agora no papel do chalaneiro Eugênio. Já a caracterização dos peões com roupas mais estilizadas parece fora da realidade. O hábito de José Leôncio não tirar o chapéu nem para comer, foi criticado. Já que a refeição é um momento sagrado para os peões.

O sotaque falado na novela, lembra de longe o modo de falar de quem vive no Pantanal, mas se aproxima mais de um “caipira genérico”. A expressão “Larga Mão” é bem-vinda, mas o “Ara” poderia ser trocado por “Eita pega”. A falta de sotaques de outras regiões e a referência a outras cidades do MS, para além de Aquidauana e Campo Grande, são sentidas. Inclusive, nem a própria cidade que é Portal de Entrada para o bioma, Corumbá, apareceu na trama. O elenco de maioria branca em meio ao Pantanal também soa estranho. A ausência de mais personagens negros, descendentes de índios, bolivianos e paraguaios ignora que o MS tem uma miscigenação forte.

Ilustração: MARINA COZTA

Na fazenda do Zé Leôncio o agro é pop. Ele é o pecuarista do bem que defende ideais de sustentabilidade. As queimadas são citadas só de forma pontual. A exploração do turismo na região, assunto tão cobiçado no mundo real, é tratado como se fosse possível de conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental.

Embora novelas sejam ficção, elas contribuem na formação do imaginário das pessoas, construindo e ou desconstruindo estereótipos. “Pantanal” já surpreende por ser uma produção fora do eixo Rio-São Paulo que conquistou o público. No entanto, a novela poderia ganhar e contribuir ainda mais apostando no retrato de mais nuances de MS e não recorrendo ao lugar comum. Por fim, o folhetim pode ser uma ótima oportunidade para colocar o bioma em evidência e provocar o debate sobre sua importante preservação. A trama deve continuar nas telas até setembro, portanto, ainda há tempo de recontar o Pantanal como MS merece.