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Opinião 97

O pesquisador brasileiro

Carlos Eduardo Ribeiro


O cenário atual da pesquisa cientifica no país revela uma grave precarização, resultado da falta de investimento público no setor. Além disso, a desinformação e o negacionismo científico extrapolam o discurso, tendo em vista o sistemático boicote à ciência durante a pandemia e o trágico resultado dessa ação, que culminou, por exemplo, na morte de milhares brasileiros, durante a pandemia de Covid-19. A superação desses obstáculos, geralmente, vem da ação obstinada de pesquisadores brasileiros que acreditam na ciência como uma ferramenta essencial no desenvolvimento humano.

Desde o início da pandemia de Covid-19, a desvalorização da ciência, que parte de um revisionismo científico baseado unicamente na deturpação de fatos a fim de legitimar um projeto político, é algo que ganhou notoriedade. O agravamento da crise sanitária, resultado de um longo processo de negação dos conhecimentos científicos, revelou a persistência de pesquisadores brasileiros que se desdobram em suas atividades, mesmo com a escassez de verba pública e uma depreciação da ciência brasileira e das universidades.

Entretanto, o menosprezo à ciência não é recente. Em 2016 a Emenda Constitucional 95/2016 congelou os orçamentos públicos com educação, saúde, ciência, tecnologia e inovação. Tal política, tende a limitar o crescimento competitivo do país, contribuindo para que o Brasil recue em vários avanços obtidos nas últimas duas décadas. Além disso, colabora com uma visão deturpada de que a ciência seria um gasto sem retorno para a sociedade.

De 2018 a 2021, houve um aumento de 40% no número de pesquisadores que saíram do país para desempenhar suas funções nos EUA, segundo dados do Departamento de Imigração norte-americano. Essa fuga de cérebros evidência como a falta de investimento na ciência compromete a superação da crise e o desenvolvimento do país, afinal sem uma remuneração condizente e boas condições de trabalho, mestres e doutores acabam por encontrar em outros países as oportunidades que aqui lhes faltam.

No Brasil, grande parte das pesquisas cientificas ocorrem nas universidades públicas. Nesse sentido, o investimento nas pós graduações, assim como no PIBID, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, se torna um fator essencial para garantir a plena produtividade dos pesquisadores. Porém, não é isso que vemos. Desde 2015, o orçamento disponível para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) tem sofrido uma queda vertiginosa. Recentemente, em outubro de 2021, o congresso aprovou um projeto que retira R$ 600 milhões do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) para ser usado em outras áreas. A medida, que representa um corte de 92% dos recursos destinados neste ano a bolsas e apoio à pesquisa, segue para sansão de Bolsonaro.

Para além das inovações, o financiamento ao pesquisador está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento financeiro e social de um país. Existem evidencias que mostram uma relação entre o apoio às pesquisas – que dependem do trabalho dos pesquisadores – e a exportação de bens complexos. Conforme dados do Instituto de Estatística da UNESCO (UIS), cerca de dez países são responsáveis por cerca 80% dos investimentos em pesquisa e inovação no mundo. Todos eles possuem alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador que busca avaliar o bem-estar da população.

Em contraponto ao obscurantismo, os pesquisadores da área da saúde tiveram, desde o início da pandemia, maior participação e reconhecimento, tanto nos meios tradicionais de comunicação quanto nas mídias sociais. Essa situação possibilitou uma escalada contra o projeto anticientífico e a negação sistemática de evidências cientificas por parte da população e governo federal. Essa maior visibilidade dos cientistas e pesquisadores se torna essencial em um cenário no qual as redes sociais são os principais meios para disseminação de distorções e teorias conspiratórias em geral, assim como pela desvalorização do cientista brasileiro.

Parte dessa busca por uma maior presença nas redes sociais vem da falta de uma campanha de combate à Covid-19, assim como da ausência de um esforço estatal contra os discursos negacionistas nas redes sociais. Aqui se evidencia o caráter obstinado do cientista.

Esse envolvimento mostra uma das características marcantes do pesquisador brasileiro: ele é resistente. Todos os esses anos de desvalorização mostraram que, por força das circunstâncias, a pesquisa cientifica consegue fazer muito com poucos recursos. Porém, toda resistência tem limites, e isso é um risco para o futuro do país.