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Entrevista 105

“Olha, é uma mulher!”

A vida de uma mulher que trocou de profissão para seguir o seu sonho nas estradas


Lembrar do começo faz Regina olhar para o caminhão com carinho

“Eu empre quis ser caminhoneira, mas a primeira vez que subi em um caminhão, com 8 anos, chorei porque estava com medo. Um motorista parou e ofereceu carona. Quando vi aquela visão de frente, pensei: ‘Um dia eu vou ser motorista’”. Regina Aparecida da Silva, 44 anos, é caminhoneira da empresa Comber, e não passa dispercebida pelas estradas do Brasil já que o seu instrumento de trabalho, assim como a sua marca registrtada, é o caminhão rosa que dirige. ​ Desde criança, Regina sonhava em ser motorista. Apesar de casar jovem e inicialmente seguir outra carreira, como enfermeira, ela decidiu ingressar na área de transporte, começando como pipeira em uma usina. 

Regina enfrentou dificuldades para conseguir seu primeiro emprego como caminhoneira, mas sua persistência foi decisiva. Ligava diariamente para a empresa até ser contratada. “​Um dia ele [o gestor] falou bem assim: ‘Chama aquela mulher porque eu não aguento mais ela me ligando’”, conta Regina, que se tornou a primeira mulher em duas empresas onde trabalhou. Sua entrada no setor foi marcada também por conquistas. ​Em uma das empresas, ela ajudou a abrir espaço para outras mulheres, deixando um legado de 24 caminhoneiras contratadas quando saiu.

Para Regina, seu caminhão é mais do que uma ferramenta de trabalho; é sua casa e seu companheiro. Ela valoriza o apoio da empresa, que garante postos de abastecimento com estrutura adequada para motoristas, como banheiros limpos e segurança para pernoitar. No entanto, reconhece que ainda há postos que não estão preparados para receber mulheres, o que reflete os desafios de inclusão no setor. 

Casa e companheiro, o caminhão rosa de Regina

A caminhoneira também enfrenta preconceitos e assédios ao longo de sua carreira. ​Comentários depreciativos sobre sua capacidade de manobrar e atitudes desrespeitosas são comuns. “Quanto mais vezes eu for fazer um trabalho e um homem falar que não vou conseguir, eu faço de propósito, só para ver se eu não consigo”, revela.

Apesar de gostar de sua rotina na estrada, ela admite que a solidão é um dos aspectos mais difíceis de sua profissão. ​A distância de sua família, incluindo seu filho que mora no Paraná e seus pais em São Paulo, muitas vezes traz saudade e momentos de vulnerabilidade. “Bate aquela dor no peito que dá vontade de ir embora para casa”, confessa. ​No entanto, ela encontra força na fé e no orgulho que sua família tem dela. Seu filho, por exemplo, envia mensagens diárias expressando admiração por sua mãe. “O áudio do meu filho de bom dia é: ‘Mãe, bom dia e boa tarde. Tenho orgulho de você”, compartilha.

Regina também é uma inspiração para outras mulheres que desejam ingressar na profissão, como foi o caso de sua irmã, que se tornou caminhoneira por influência dela. ​Ela acredita que é necessário que as empresas ofereçam mais oportunidades e apoio para que as mulheres se sintam confiantes e permaneçam na área. “As mulheres têm que confiar nelas mesmas. ​ Muitas ainda têm medo. E as empresas precisam dar mais oportunidade e ajudar também”, afirma.

O caminhão rosa, que inicialmente não era sua cor favorita, acabou se tornando um símbolo de sua identidade e uma atração nas estradas, onde crianças e adultos frequentemente pedem para tirar fotos com o veículo.

Com 17 anos de experiência na estrada, Regina é uma das milhares de mulheres que enfrentam lutas diárias por seu gênero, mas que provam, todos os dias, que as mulheres podem ser o que quiserem onde quiserem. “Eu me olho aqui, eu trabalho aqui, eu sinto um orgulho do caramba de mim mesma.​ Eu consegui, não foi fácil, mas eu tô orgulhosa de mim mesma”, conclui.