Texto e ilustração : Maria Eduarda Santos

As redes sociais podem transformar pessoas em máquinas de desejo. Rolar infinitamente o feed do TikTok ou do Instagram virou uma espécie de caça ao tesouro – só que, em vez de ouro, buscamos novas tendências: promoções relâmpagos, novidades da Shein, ideias de coleções e maquiagens de todos os tipos possíveis. O que era entretenimento virou um ciclo vicioso: quanto mais consumimos, mais somos incentivados a consumir. No centro desse furacão, estão, principalmente, as mulheres – maioria das vítimas impulsionadas por essa cultura de que “mais é sempre melhor”.
Não é coincidência que vídeos de “recebidinhos” e “comprinhas” dominem as redes. Eles são meticulosamente projetados para despertar aquele desejo interior: “e se eu também tivesse isso?” A Shein, por exemplo, não vende apenas roupas, vende uma ilusão de renovação constante. A Amazon e a Shopee transformaram o ato de comprar em um jogo, com cashback, frete grátis e promoções relâmpagos. O resultado? Acumulamos “blusinhas” que nunca iremos usar, livros que nunca iremos ler e maquiagens que vão vencer antes mesmo da primeira aplicação.
Muitas marcas se apropriam de discursos feministas para vender, com frases que, em teoria, soam como empoderamento, mas na prática são apenas armadilhas para o consumo desenfreado. Uma bolsa da Dior parcelada em 12 vezes no cartão de crédito não é símbolo de independência financeira, é, muitas vezes, um consumo passivo disfarçado de conquista.
O problema não é desejar ter coisas, é a urgência artificial criada pela mídia. O FOMO (Fear of Missing Out, ou o medo de ficar de fora) nos convence que se não comprarmos agora, não seremos incluídas na próxima trend. E pior, de sermos julgadas por não acompanhar o ritmo. Segundo pesquisa realizada pela UnionBox, quase 63% das mulheres relatam sentir arrependimento pós-compra, mas continuam no ciclo porque a sensação de recompensa imediata é mais forte.
Para a psicóloga comportamental Ana Santos, o consumismo torna-se cada vez mais comum entre as mulheres de todas as idades e classes sociais. O prazer passageiro de uma compra é um tipo de remédio, um alívio momentâneo do estresse, do tédio, criando um ciclo de dependência e vício. Muitas vezes, essa compulsão acaba se tornando uma estratégia para lidar com problemas de autoestima, pressão social e vazio emocional. A psicóloga comenta que é na terapia que muitas mulheres percebem esse comportamento compulsivo que recebe o nome de oneomania.
O endividamento feminino, muitas vezes, é exponencial. É o caso de uma campo-grandense de 21 anos com 50 mil reais em dívidas, porque queria criar seu histórico na loja da Hermes, apenas para ter a sonhada Birkin. Resultado: não foi apta para entrar na lista de espera de cinco anos para obter a bolsa e precisa trabalhar de domingo a domingo para pagar essa conta, comprometendo outras necessidades e sonhos. Em vez de autocuidado, elas mergulham na falsa promessa de que ter é o mesmo que ser.
E como escapar? Talvez, diminuir o acesso a conteúdos de influencers que fazem propaganda, entrar em desafios como o Projeto Pan – criado para usar todos os produtos que possuem, antes de adquirir novos -, criar hobbies offlines para substituir a dopamina e se questionar sobre a necessidade de comprar. A psicóloga observa que é importante fazer várias perguntas antes de prosseguir: “será que eu preciso disso?”, “é urgente?”, “tenho dinheiro para comprar?”, “como me sentirei depois de gastar?”
Esse limbo de que a próxima compra é a definitiva e que nos completará, acaba nos arrastando para problemas financeiros, e de outros tipos, tão grandes que podem parecer inalcançáveis. A verdade é que nenhum produto resolve carências emocionais ou preenche vazios existenciais. Enquanto o sistema lucra com nossa insatisfação, nós perdemos tempo, dinheiro e energia. Em vez de acumular coisas, validação em likes e luxo, podemos buscar viver com menos culpa, arrependimento e dívidas. Porque no final, o que realmente importa não cabe num carrinho de compras.