Técnicos-administrativos paralisam atividades em busca de valorização profissional e reivindicam recomposição salarial de 9% para 2025
Texto: Allana Ferreira | Daniel Baptista | Gabriel Diniz
Infográfico: Eliel Dias
No dia 11 de março de 2024, começou a greve dos servidores técnico administrativos em Educação no Brasil. Com isso, funcionários ligados à Federação de Sindicatos dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra) paralisaram suas atividades em mais de 50 universidades e institutos federais, incluindo a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
De acordo com o coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul (Sista-MS), Lucivaldo Alves dos Santos, existem dois pontos principais para a adesão à greve. “Primeiro, a questão da reestruturação da nossa carreira e segundo, a questão do nosso reajuste salarial. Nós sempre pedimos algum reajuste para 2024, mas até agora o governo só apresentou cenários, um reajuste de 0% para 2024, 9% para 2025 e 5% para 2026”, explica.

Além desses pontos, os servidores estão reivindicando também mais investimentos nas instituições e a realização de concursos para contratar mais trabalhadores. Até o momento da escrita desta reportagem, os sindicalistas estavam indo para a quinta mesa de negociação com o governo, e ainda sem esperanças de chegar a um acordo, como cita Lucivaldo .
“Hoje [14 de junho] ninguém está trabalhando com a possibilidade de encerramento da greve, até porque ainda temos espaço para fazer negociação. É nesse espaço de negociação que a gente quer ver se sai mais alguma coisa. Foi apresentada uma contraproposta para nós, para a nossa base, nós aprovamos, mas o critério mesmo para encerramento, ainda nenhum”, aponta.
Entre os técnicos administrativos, existem cinco classes salariais: do A (como porteiro, auxiliar de serviços gerais) ao E (como psicólogos, assistentes sociais, biólogos, administradores, etc). Os salários variam de R$1,5 mil a R$4,3 mil. A maioria (70%) está na classe D (profissões de nível médio, como técnico administrativo e auxiliar de enfermagem, com salários de R$2,3 mil).
“Hoje nós temos, dentro da nossa carreira, o menor salário, o menor piso salarial”
Os técnicos administrativos têm papéis essenciais para o funcionamento das instituições. Independente do cargo ou setor, sua contribuição é fundamental para o bom desempenho das universidades públicas. Mesmo com esse papel primordial, na visão de Lucivaldo, a profissão ainda é muito desvalorizada financeiramente. “Então, por exemplo, um técnico-laboratório hoje, quando ele entra no serviço público, entra ganhando menos que dois salários mínimos, ou seja, para ele, no mercado fora das instituições públicas está muito melhor”.
Técnicos de outras categorias estão conseguindo mais resultados. A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems), por exemplo, foi a primeira a aprovar um aumento de 2,2% para seus servidores. O auxílio-alimentação subiu para R$1 mil, e o auxílio-transporte, para R$700. No dia 7 de maio, o governo de Mato Grosso do Sul ofereceu um reajuste de 3,73% para os servidores públicos estaduais, baseando-se na inflação do ano anterior (IPCA de 3,73%). Em 16 de maio, a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei que concede este acerto, que será retroativo a partir de 1° de maio.

O projeto considera as disponibilidades financeiras do Estado e os servidores recebem o aumento já em junho de 2024. A proposta ainda passará por uma segunda discussão em 21 de maio antes da sanção do governador. A medida beneficia servidores públicos efetivos, comissionados e empregados públicos da administração direta, autárquica e funcional do Estado.
No dia 14 de maio, o presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), Sérgio Martins, também enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que oferece um aumento de 6% para os servidores do Poder Judiciário do Estado, abrangendo ativos, inativos e encargos patronais. No mesmo caminho está o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), que encaminhou a proposição de aumento de 12% à Assembleia Legislativa.
“É um cansaço imenso”
Não é apenas um descontentamento financeiro. Os servidores técnicos da educação acreditam que são desvalorizados pela sociedade e que há uma incompreensão sobre a necessidade da deflagração de greve. Todos esses fatores em conjunto geram uma exaustão nos servidores que tentam reivindicar seus direitos.
“Esta greve não é só sobre dinheiro. É sobre sermos vistos e valorizados pelo que fazemos”
Juscelino Barbosa, de 54 anos, é um dos técnicos que paralisaram as atividades e diz que essa luta não é apenas salarial.

“Queremos mais do que salários justos, queremos respeito e reconhecimento pelo nosso trabalho duro. Esta greve é um chamado por uma mudança”
“Nós, técnicos administrativos, somos como os alicerces invisíveis das instituições, mantendo tudo funcionando, mas muitas vezes somos ignorados.”
Questões legais
O direito de greve dos servidores públicos, incluindo os técnicos, é garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso VII, que prevê que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. No entanto, até que tal lei específica seja editada, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a Lei de Greve (Lei 7.783/89) seja aplicada suplementarmente aos servidores públicos.
Apesar da greve ser um direito do servidor, é fundamental que haja o acompanhamento de uma equipe jurídica para ajudar na tomada de decisões e ações. É o que explica Alex Benites, de 34 anos, advogado e assessor jurídico do Sista-MS. Para Alex, a assessoria desempenha um papel essencial no decorrer da greve. “Nós oferecemos assessoria jurídica para garantir que as reivindicações sejam feitas dentro dos limites legais, através de parecer e palestras. Também atuamos diretamente na mediação e representação dos interesses dos servidores nas negociações junto ao comando de greve. Fazemos também a elaboração de termos de acordo que sejam justos e que respeitem os direitos dos servidores”, explica.
De acordo com o advogado, a equipe jurídica adota certas medidas para uma defesa eficaz dos direitos dos técnicos, a participação ativa nas negociações e uma comunicação objetiva com os servidores acerca de seus direitos, como a atualização constante sobre a legislação e decisões judiciais pertinentes..
Além de acompanhar as negociações e conversar sobre direitos, Alex fala que está sempre relembrando aos técnicos sobre como se portar durante uma greve. “É extremamente necessário manter a organização e a comunicação interna do movimento, respeitar as determinações legais do comando de greve relacionadas à greve, evitar qualquer prática que possa ser considerada abusiva ou ilegal e sempre em caso de dúvidas, me contatar”.

A rotina da greve
Com a paralisação, muitos aspectos do cotidiano institucional são afetados. Os serviços administrativos, como o processamento de documentos, a gestão de inventário e até mesmo o atendimento ao público, são interrompidos ou significativamente reduzidos. Isso pode gerar atrasos em processos burocráticos, dificuldades na comunicação interna e externa e até mesmo prejuízos financeiros.
Acadêmicos e acadêmicas da UFMS sentem a ausência dos técnicos que auxiliam as/os docentes da universidade. O estudante de Engenharia Civil, Luis Augusto Zotti, vive esse problema. “A greve dos técnicos tem afetado principalmente as aulas que seriam realizadas nos laboratórios, impossibilitando a realização dos experimentos que, se conduzidos de maneira prática juntamente com o professor, ajudariam a entender o conteúdo de forma mais fácil”.
Já pelo lado dos técnicos, Jânia Aparecida da SIlva, de 57 anos, tem receio do acúmulo de trabalho que está ficando para trás. “A greve em si não afeta a minha rotina, pessoal. A diferença é que a gente não vem para a universidade. Mas afeta o meu trabalho, eu não tenho noção do que vai acontecer quando a gente voltar com o acúmulo de trabalho. Eu sei que outras pessoas não vão fazer o trabalho que a gente faz, a gente sabe disso. Vários alunos falam comigo o tempo todo, eu vejo que eles estão perdidos.”

Greve é coisa de vagabundo!
Quando os trabalhadores param de trabalhar para protestar por algo que acham importante, é uma forma de chamar atenção para problemas no trabalho. Nem sempre é fácil paralisar, mas é uma maneira de mostrar a seriedade das preocupações e a necessidade de mudanças. A greve, direito constitucional, algumas vezes, é indispensável.
Maria Aparecida, técnica de enfermagem aposentada, 60 anos, diz que a greve não é motivada por preguiça, ou por fuga do trabalho, mas por buscarem uma qualidade melhor de trabalho e de salário. “Não só para os ativos, como para os aposentados. Aqui temos muitos aposentados que estão em situações muito precárias, precárias mesmo. Eu conheço um aposentado que está catando latinha para complementar a sua renda em casa”, comenta.
Para os técnicos, o momento de greve não é descanso ou “férias” forçadas, além da luta e presença constante nas assembleias, as horas de trabalho adiadas durante o período de greve terão que ser repostas integralmente no futuro, na volta para o trabalho. Isso é um dos motivos, inclusive, na decisão de alguns técnicos de aderirem, ou não, à greve, já que essa reposição pode ser inviável devido à rotina com a família ou outros compromissos.
No dia 28 de junho de 2024, 109 dias depois do início da paralisação, os técnicos fizeram uma última assembleia e aprovaram sair da greve, além de decidirem retornar às atividades no dia 2 de julho. Acerca da recomposição salarial, ficou acordado o que Lucivaldo disse anteriormente, apresentado pelo governo: 0% para 2024, 9% para 2025 e 5% para 2026.
Ademais, o representante do Sista ainda confirma o aumento de 3,9% para 4% no Step para janeiro de 2025 e 4,1% para abril de 2026. Como forma de incentivo à categoria, foi anunciado a criação do Reconhecimento de Saberes e Competência (RSC), que será implantado daqui a dois anos.