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Opinião 94

Periferia não é problema, é solução

Texto: Patrick Rosel
Ilustração: Maria Eduarda Boin


A gente cresce ouvindo que é perigoso morar nessa região, que as pessoas não são muito confiáveis e que na primeira oportunidade precisa sair dali. É isso que você escuta quando vive numa comunidade periférica. Quando pequeno, eu nunca entendi muito bem o porquê, mas a gente amadurece e vai enxergando o estigma que as pessoas têm sobre esses lugares. Bom, eu cresci e ainda estou aqui, na verdade sempre estive.

Na periferia a vida é simples, mas também complexa. É preciso saber driblar as dificuldades diariamente e lidar com os direitos que nos são negados a todo momento. Apesar de tudo, as pessoas exercitam a prática da empatia mesmo sem perceber, porque sabe exatamente pelo que o outro passa. Aqui as pessoas riem, choram e, principalmente, sonham. É pulsante a manifestação de vida na periferia.

No cenário do cotidiano estão casas simples de tijolo sem reboco que se erguem uma ao lado da outra, ziguezagueando pela ladeira. Nelas estão famílias, muitas vezes numerosas, que se espremem em seus pequenos cômodos e se viram para fazer mágica com o pouco que têm. No fim da tarde, as pessoas se sentam em frente de casa e jogam conversa fora; nas férias, crianças correm pelas ruas atrás de bola e o céu se enche de pipas; igrejas e botecos também compõe a paisagem, cada um com seus fiéis.

Aos finais de semana acontecem os bailes funk e as rodas de samba, o que para alguns é só algazarra, para outros é forma de ter acesso à arte, se divertir e fazer dinheiro. Na periferia a cultura transmite valores de transformação social. Ela ajuda a livrar as pessoas do tráfico, alimenta a economia local e dá protagonismo a quem geralmente não é visto. Também, desenvolve a autoestima e articulação política, fazendo com que os moradores participem, se conscientizem e opinem sobre causas sociais.

Ao contrário do que muitos pensam, o maior problema de violência não está dentro das comunidades. Ele vem de fora, fardado e com o argumento de ‘combate ao tráfico de drogas’. Os tiroteios não só assustam, ferem e matam, mas também interrompem a rotina dos moradores e silenciam qualquer atividade. Quando ocorre operação policial, escolas, postos de saúde e comércio são fechados. Além da falta de segurança, é preciso lidar com os direitos básicos sendo restringidos e violados, pois usam o território como campo de guerra no qual a bala já tem endereço certo. É de extrema necessidade que o diálogo com essas regiões seja feito de forma não violenta para que novas possibilidades surjam e novas perspectivas sejam apresentadas. Assim como o racismo não é um problema só dos negros e o machismo só das mulheres, a violência nas comunidades por parte do Estado não é um problema só dos moradores.

Não existe gente do bem e gente do mal. Existem pessoas que são discriminadas por viverem aonde vivem, que acordam todos os dias antes do sol e pegam transporte público lotado, que às vezes precisam omitir onde moram para talvez conseguir uma vaga de emprego e que sonham com a possibilidade de uma vida melhor ali ou fora dali. É preciso enxergar a potência desses lugares, sua riqueza histórica e cultural, não aceitar a imagem distorcida que nos é vendida. A periferia vive, resiste e precisa ser vista com bons olhos. Abra os seus.