Texto e ilustração: Maria Eduarda Boin
A gente nasce e nos é dado apenas um caminho. Não podemos sequer tombar um pouco mais para a direita ou para esquerda, só seguir aquele mesmo percurso aceito e incontestável pelos ditos tradicionais ou conservadores. Passam muitos anos até percebermos que a trajetória de nossa vida até aquele momento foi baseada em imposições e não sobre quem realmente somos. Escolheram que fossemos héteros, cis, mães, pais e filhos.

Quando nos bate a consciência saímos machucados, sufocados, enclausurados e qualquer coisa, menos o que nós gostaríamos de ser. Qualquer mão, menos a que gostaríamos de segurar. Qualquer amor, menos o que gostaríamos de sentir. Todo esse caminho engolindo um único rumo como certo, vivendo praticamente embaixo do tapete, torna a ideia de comunidade um conceito abstrato.
Algum tempo atrás, se lésbicas, gays, bissexuais, ou transexuais ousassem assumir suas escolhas, seriam perseguidos, no mínimo, ou até mesmo deixariam de existir. Pensem comigo! Não nos foram dados lugares, aulas, grupos ou qualquer representação para que nos uníssemos e sentíssemos a brisa boa de um senso comunitário, uma caixinha conceitual regada a senso comum, tradições, valores e visões de mundo. O espaço comunitário que sempre nos foi dado é a margem de qualquer relação. Vivendo no baixo, nas sombras e sem muita visão de mundo aberto.
É claro que muitas coisas avançaram nos dias atuais. Existem muitas conscientizações acontecendo e muitos lugares sendo ocupados com a resistência e luta de quem apanhou muito pelos tombos à direita ou esquerda do caminho único. Entretanto, o que o capitalismo faz parecer uma vitória grande e cheia de ‘pink money’ e ‘representatividade’, ainda é atravessada por muitas avenidas, paulistas ou não, com lâmpadas fluorescentes quebradas sobre nossos corpos.
Em todos os cantos o estado laico é deixado embaixo do sapato, e deus com sua figura incontestável é colocado como justificativa para o ódio e a homofobia. Por mais que o mar de tal preconceito vá até não termos noção de onde é água e onde é céu, ninguém assume o ‘incomodo’ sem antes falar que discrimina um homossexual em nome do sagrado. Como Richard Dyer, em uma análise sobre o estabelecimento de estereótipos, que trouxessem normalidade e diferenciassem o outro, disse: “É um aspecto do hábito de grupos de decisão […] que tentam moldar toda a sociedade de acordo com sua própria visão de mundo, sistema de valores, sensibilidades e ideologias”. Geralmente esse molde ocorre sob imposições a um grupo oprimido. É preciso andar na corda bamba da normatividade, aquele caminho único e certo, e se esforçar sempre mais do que os que concordam com tais estereótipos para viver com o mínimo de dignidade.
Em certos espaços e/ou tempos, como na Grécia antiga, os relacionamentos homossexuais não eram vistos de modo negativo. Mas em outros locais e épocas, valores e visões conservadoras ou por vezes fanáticas e extremistas, buscam condenar essas relações. Nos campos de concentração nazistas os homossexuais eram separados e demarcados. Por isso, a realidade que une essa comunidade é a do preconceito. Pessoas LGBT+ sempre enfrentaram a violência, verbal ou física, na linha de frente de suas vidas, ainda que cada uma dessas letras sofresse por um motivo especifico ou incomodasse mais o tradicionalismo do que alguma das outras. Então, mesmo que a noção de comunidade fique em um imaginário, as pessoas LGBT+ uniram-se contra seu próprio apagamento, na tentativa de que fossem representadas e acolhessem histórias de quem tenta resistir. Esse ‘senso comunitário’ de quem é gente tanto quanto qualquer outro em busca da sobrevivência e relevância, tem importado muito mais do que a presença real e normal do conceito de comunidade.