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Opinião 100

Projétil, tiro certo do curso de Jornalismo da UFMS

Texto: Antonio Carlos Teixeira


A primeira turma de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), está na história do curso por diversos motivos, a começar pela importância que teve ao desbravar o ensino universitário dessa carreira no estado. Até 1990, Mato Grosso do Sul não oferecia o curso e tudo o que se relacionava a ele era novidade. Com os professores, a turma moldou a grade curricular e exigiu padrão mínimo de qualidade das aulas, o que ajudou na formação do corpo docente. Embora a estrutura fosse precária, tínhamos a impressão de que estava começando bem. 

O lançamento do jornal laboratório, o Projétil, em setembro de 1990, foi um marco para a primeira turma. A publicação nos tirou, literalmente, da teoria e nos jogou na prática. Viramos pauteiros, repórteres, editores e até fotógrafos. Perto de completar 33 anos, estamos cá para comemorar a 100ª edição do Projétil. Na época, eu não teria apostado um tostão furado em tamanha longevidade do jornal. 

Imagem: Lara Liz Perius

Por quatro anos, fomos abrindo picadas na mata virgem para que centenas de estudantes pudessem se preocupar mais com sua formação do que com a estruturação do curso. Talvez seja por isso que a turma inicial tenha saído com couro duro que nem ferro em relação às outras. Os que vieram depois tiveram melhor aprendizado, justamente porque as exigências dos desbravadores foram grandes desde o início. 

Nas redações, a coisa pega. É ‘onde o filho chora e a mãe não vê’. Quando os jornais impressos dominavam o mercado, por exemplo, cada repórter produzia ao menos três matérias e a apuração começava do zero. Nos tempos atuais, com notícias a granel e redes sociais pulsando, o número de pautas cumpridas quase dobra. 

O material para o impresso era mais bem acabado em razão da periodicidade diária. O assunto tinha que estar bem redondinho para merecer espaço. No máximo, deixava-se para amanhã eventual suíte, caso o assunto pedisse. Fora isso, fazia-se hoje, lia-se amanhã. Se perdesse algo, seria recuperado somente no dia seguinte e publicado dois dias depois. “Furos” e “barrigas” eram comuns.

Diante dessas considerações, o Projétil se tornou a principal realização do curso de Jornalismo. Foi criado à imagem e semelhança do seu corpo de alunos da época. Publicação afiada, questionadora, incisiva. Bala letal, com direção e sem excesso – e Código de Ética ao lado da máquina de escrever. A maioria de nós aprendeu jornalismo dividindo velhas máquinas de escrever com outros colegas, cujas apurações eram feitas sob chuva ou sol, no calor de 34 graus da nossa Campo Grande. Ônibus era o transporte mais utilizado. 

A primeira edição, evidentemente, foi histórica como é agora a de número 100. No meu caso, dividi com a Gilmara Leite a produção da reportagem sobre os fantasmas do Tribunal de Contas do Estado. Suamos para apurar o material — com dúvidas de iniciantes e ousadia de veteranos. Saber, por exemplo, até onde vai a importância do material em apuração, sem se deixar levar pela ânsia de vê-lo publicado. Mais: reduzir o risco de se resvalar no sensacionalismo, ou exagerar na pitada de pimenta. 

Dilemas do início ao fim, que se ampliavam para quem estava na condição de aprendiz, embora tivéssemos o acompanhamento de professores experimentados, com vários anos de atuação na grande mídia. Dúvidas que desaguavam na Redação do Projétil. Na conversa com nosso editor, sempre a frase marcante: retratar o fato com a maior fidelidade possível. O restante, acrescentava, é acessório, ou secos e molhados. Frio na barriga sentido por todos os colegas de turma. E, por fim, a emoção de lamber sua primeira cria, sentimento tão gostoso que você não quer mais que termine. 

Que daqui a outros 30 anos algum aluno da turma que produz o Projétil número 100 tenha boas histórias para contar aos que vierem depois. E tudo se renova para que o moinho não pare de girar.

Antonio Carlos Teixeira é jornalista, graduado na primeira turma de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da UFMS. Atualmente, é assessor de imprensa da Receita Federal em Mato Grosso do Sul.