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Opinião 100

Querido Projétil,

Texto e ilustração: Maria Fernanda


cem edições publicadas, então? Talvez devêssemos comemorar! já que estou contigo desde a primeira pauta, na primeira edição, ou antes até, no primeiro requerimento para a fundação da disciplina… enfim, caminhamos juntos e evoluímos juntos também. Fico feliz por sua existência estar completando 100 edições e eu poder fazer parte de todas elas. 

Espero que tudo saia nos conformes dessa vez, embora sair um pouquinho das conformidades também não faça mal. Você, assim como eu, só existe graças a um amontoado de normas e regras que são revisadas, corrigidas e trocadas depois, seja por um manual, seja por um dicionário, por um professor de jornalismo ou por um linguista. 

Acho que o mais cabível seria agradecer a todos pela vontade de mudar, os estudantes e professores que tem te dado vida nos últimos anos, mas não esquecer das fontes, dos dados vasculhados e das correções de última hora. Assim como você, eu também mudo e os meus agradecimentos não caberiam na maior carta que eu poderia te escrever, pois são mais de 230 milhões pessoas que me vivem e a quem eu teria que dedicar pelo menos um obrigada. 

Eles me fazem mudar também, me misturam com outras, me diminuem e me aumentam, me mostram que tem partes de mim que não são tão bonitas. Mas modéstia à parte, eu sou diversa, me adapto rápido e vários pedaços de mim podem ser suprimidos sem me fazer menos rica e você sabe bem disso. 

Na sua edição 36, talvez, “índio ficou sem terra” fosse um protesto contra o extermínio de povos originários, hoje utilizar o termo indígena é mais adequado porque valoriza a diversidade de cada povo e é recomendado pelo manual de comunicação do Senado Federal. E para você entender como somos passíveis de mudança em outra edição, desta vez a 56, o termo GLTB era a maneira mais atual possível de se referir a comunidade que agora adota as siglas LGBTQIAPN+ e mesmo assim, talvez daqui a 10 edições não seja mais dessa forma e isso não é uma reclamação. 

Afinal, quem muda não sou só eu e você, é quem faz parte de nós, os tempos são outros e as pessoas também. Talvez, as estudantes que fizeram a primeira edição desse jornal não esperassem que o centro acadêmico do curso de Jornalismo fosse escrever caloures e que isso fosse causar uma revolta nas redes sociais, talvez elus não esperavam nem as redes sociais e todos os “q” “vc” e “vsf” que os futuros jornalistas usam coloquialmente. 

Mas você meu querido, assim como sua equipe, é repleto de coisas que não agradam todo mundo, que nem todo mundo entende. Um jornal inteiro que fala sobre sexo pode ser considerado ofensivo pra quem acha que o assunto é um tabu, mas isso nunca impediu que a edição 59 existisse. Da mesma forma que “Gays: nem tudo é festa”, seu número 65,  dificilmente seria o título de uma das suas reportagens em 2023, talvez uma charge com um ar cômico?

Eu também não agrado, nunca agradei e provavelmente nunca irei agradar a 100%, ou 100 por cento, ou cem por cento, das pessoas. Para alguns, colocar alguns “es” ou “us” depois de pronomes é o fim da moral e dos bons costumes, mas me pergunto se estes sabem aplicá-los no discurso mais formal da gramática normativa, usando a conjugação de um verbo irregular, sem misturar todos os pretéritos perfeitos com os futuro do presente indicativo. 

Afinal, para o você existir um vossa mercê caiu no desuso. E vários outros continuam ganhando o vocabulário, da última vez que a ABL (Associação Brasileira de Letras) atualizou o vocabulário ortográfico da língua portuguesa, foram incluídas mais de mil palavras que antes não faziam parte de mim, mas não serem de fato oficializadas não impediu ninguém de falar lockdown ou sororidade. 

Por isso, quero comemorar sua centésima edição, fazendo o que sempre faço, sendo parte de pautas, de discussões, de correções e de mais correções, de normas e regras que são revisadas e trocadas depois, desde a redação acadêmica até as conversas no escobar. E quero que você continue fazendo o que sempre faz, incluindo termos novos, pautando o que deve e não deve e principalmente me fazendo presente da maneira mais ilustre que puder. 

Com carinho, a última flor do lácio,

Língua Portuguesa.