Categorias
Opinião 99

Regurgitando ideais obsoletos

Douglas Nestor Jost Rebelato


“A moda sempre reviveu o que teve de ‘marcante’. Mas os anos 2000 foram uma das piores épocas da moda”. Esta fala do estilista campo-grandense Baiflufaga, [especialista no estilo clubber que mescla o underground com o sofisticado] toca a ponta do iceberg do verdadeiro problema que retorna com esse estilo “anos 2000”, também conhecido como Y2K (year 2000).

Ilustração: Ana Clara Klem

A moda, idealizada por celebridades como Britney Spears e, mais tarde, por Harry Styles, é conhecida pelo conjunto all jeans [tudo jeans], lenços e bandanas, cintos de correntes, acessórios de miçanga chamativos, regatas e conjuntos de moletom, e o pior, as calças de cintura baixa. Esse retorno abre espaço para que, a qualquer momento, jovens por todo país sejam capturados pela obsessão à magreza excessiva, à exclusão de corpos diversos e pelo desconforto que veem com isso.

Na moda, algumas vezes em um piscar de olhos, algumas tendências deixam de ser chiques para se tornarem bregas, podendo provocar e/ou promover preconceitos e um autopoliciamento, terrível e nada saudável, que se baseia nos padrões corporais impostos socialmente.

A sociedade valoriza as mulheres magras ao vê-las como belas e elegantes e ao taxar, automaticamente, mulheres gordas como feias e desajeitadas. Os anos 2000 idolatrou um corpo cada vez mais magro, criando uma prisão em forma de roupa, conhecido como calça saint tropez [a calça baixa], que, descaradamente, impunha uma fixação a um único corpo ideal: o magro. O estilista Baiflu confirma essa realidade triste e perigosa. “Não tem como defender quando o assunto é inclusão, já que esse estilo vangloria somente corpos magros”.

A imposição de padrões de beleza é problema que afeta, principalmente, os jovens. Como um veneno que corrói a autoestima e o bem-estar. Uma sondagem realizada com 100 jovens de 12 a 25 anos e de diversos locais da capital sul-mato-grossense, mostrou que 60% dos questionados sentem ou já sentiram a pressão imposta para se encaixar nos padrões da moda. E que, pior, 80% já se sentiu envergonhado ao usar uma roupa que, em seu olhar, os faziam engordar ou emagrecer. Essa porcentagem parece preocupante para você? Quantas pessoas se escondem por trás de um traje por medo? Especialmente o medo de sofrerem preconceito?

Muitos podem demorar anos para entender seus corpos e finalmente se expressarem e mostrarem quem realmente são. Marina Cozta de 22 anos, aluna do curso de artes da UFMS, nunca se imaginou usando camisas com estampas coloridas e formatos assimétricos, nem seu corte de cabelo curtinho e colorido que faz seus colegas a reconhecerem pelas ruas. “Não quero que as pessoas me confundam com algo que não sou”. Esse ato de se expressar livremente pela moda pode ser libertador, e um espaço de autoconhecimento e identificação significativo. “Possuir estilo próprio é não ser refém da moda (…), decidir arriscar em algo vai ser um evento porque as pessoas irão ficar surpresas em ver novas vertentes de você!” incentiva Baiflufaga.

Um exemplo de mulher com uma grande autoestima e que arrebenta as portas dos padrões é a famosa Jojo Todinho, que dia 13 de setembro de 2022 apareceu cheia de confiança na capa da revista ‘Glamour Brasil’, provando que independente do peso, qualquer pessoa pode sim estar na moda e seguir diversos estilos. Durante uma transmissão ao vivo em seu Instagram, Jojo se abriu para seus seguidores, colocando na mesa um problema que sofreu desde o início de sua carreira. “A pessoa não pode fazer nada porque é gorda. (…) Eu vejo muita gente que está falando um monte de besteira, que estou lendo nos comentários, tudo complexado, depressivos, que têm trauma disso… (…) Meu bem, eu sou muito feliz e bem comigo mesma”.

Revisitar estilos passados não é novidade no universo da moda. Alguns aspectos dos anos 2000, foram e são irreverentes e/ou foram inovadores, abrindo discussões importantes sobre a as roupas e o corpo feminino. O que não podemos, é desconsiderar as conquistas realizadas até aqui a respeito da diversidade, da inclusão e da aceitação corporal.

Promover a prática saudável da moda é essencial para que todos sejam aceitos como são. Regurgitar ideais obsoletos e promover a aceitação corporal são essenciais para evoluir como sociedade, mas acima de tudo, evitar se forçar a fazer parte de uma engrenagem que promove a dor que chamamos de ‘padrões de beleza’.