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Opinião 105

Sete dias de impureza

Texto: Bruna Melo 
Ilustração: Armando Neto


“Quando uma mulher tiver o fluxo de sangue da menstruação, ficará impura por sete dias, e quem nela tocar ficará impuro”. Nessa preconcepção bíblica de Moisés, está a origem dos estereótipos sobre o corpo feminino no período menstrual. Os sete dias de “impureza” ainda permanecem como tabu. Nojo, medo e até pecado são alguns dos rótulos atribuídos pelos homens.

Entre as brasileiras, a maioria menstrua pela primeira vez por volta dos 12 anos, e não sabe o que está acontecendo com seu corpo. Em geral, as mães comentam – “você virou mocinha!” – e sentimos certa vergonha da situação. Na escola, escondemos nossos absorventes e os casacos amarrados na cintura viram parte do uniforme. A vergonha engaveta muitas conversas necessárias sobre o tema.

Isso já deveria ser o suficiente para que os homens entendam as complicações desse período e como o discurso misógino afeta a saúde das mulheres. Segundo o Ministério da Saúde, em 2022, uma a cada dez brasileiras sofre com endometriose, uma das doenças ginecológicas que interferem no ciclo menstrual. Há ainda a síndrome do ovário policístico (SOP), o mioma uterino e a adenomiose. Essas doenças provocam dores, desmaios, náuseas e cólicas que afetam drasticamente a rotina e o humor das mulheres.  Ainda assim, há quem critique: “é só uma cólica, pra que esse drama todo?” ou então “a menstruação não é desculpa para faltar ao trabalho ou à escola”.

O mais assustador, é que existem mulheres que não sabem o porquê sofrem mais durante seus ciclos, e não procuram o ginecologista. Segundo estudo de 2019 da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 4 milhões de brasileiras com 16 anos ou mais nunca foram ao ginecologista, e 20% delas podem ter problemas de saúde sem ter conhecimento. O estudo revelou, ainda, que o hábito de se consultar com um/a especialista varia de acordo com a faixa de renda e o grau de escolaridade. Quanto maior o grau de instrução da mulher, mais comum é a sua visita médica.

Essa vergonha está ancorada em um processo natural, porém socialmente condenado. Até as consultas com ginecologistas muitas vezes são tabu, pois há pais que acreditam que suas filhas só precisam de um/a especialista no início de sua vida sexual, e por vezes nem isso. O julgamento social sobre o que deve ou não ser feito com o corpo feminino persiste, e nos afeta tanto – e com tanta frequência – que pode prejudicar nossa saúde e nossa vida inteira.

Preconcepções como a formulada por Moisés estão enraizadas no corpo social e fazem com que os homens nos considerem dramáticas, loucas e pecadoras em razão de um processo natural e involuntário. É absurdo que homens não conheçam, compreendam e tenham empatia pelas mulheres, por questões específicas do corpo feminino. Principalmente quanto à questões de saúde. Endometriose, SOP, miomas uterinos e outras questões biológicas relacionadas ao corpo da mulher precisam ser conhecidas, diagnosticadas e tratadas.

Muito tempo se passou desde o conceito preconcebido dos “sete dias de impureza”, mas o tempo não foi o melhor remédio. As mulheres ainda são invisibilizadas, suas questões continuam engavetadas e as implicações menstruais ainda não são tratadas como deveriam. Lutamos para ganhar espaço e direitos, mas o espaço não é receptivo conosco da maneira que é para os homens. A existência feminina ainda não é encarada como deveria, falta compreensão e resolução dos problemas femininos. Nossas questões específicas continuam no final da fila.