As histórias de pilotos profissionais pelas vias da Cidade Morena
Texto: Glenda Rodrigues | Milena Melo
A mobilidade urbana, elemento vital em uma cidade contemporânea, se expressa em uma diversidade de formatos, profissões e veículos. Dentro desse universo, a mudança que vem com o tempo traz histórias daqueles que vivem de levar pessoas a todo canto da cidade.
Neste labirinto de ruas e avenidas, os mototaxistas se encontram pilotando entre as veias da cidade, ou sentados em seus pontos, conversando com os colegas e contando a histórias da cidade pelos olhos daqueles que vivem sobre duas rodas.
Phablo Casanova, 34 anos, está na profissão de mototaxista desde que voltou de Portugal, em 2015. No velho continente, fazia próteses dentárias. Voltou ao Brasil escolhendo o ofício de mototaxista pelo qual se diz apaixonado, mas reclama do violento e mal educado trânsito da cidade. Considera como marca do trânsito da capital o uso inadequado de seta e a falta de gentileza com os demais.“Geralmente os acidentes com moto acontecem com batida por trás, porque não pensam em quem vem atrás. Eles acham que não podem estar à frente ou atrás da pessoa amanhã. Então isso é uma coisa do campo-grandense, é muito mal educado”.
O ponto 49, onde Phablo tem alvará para trabalhar, está cravado na região central da capital, a Praça Ary Coelho, na esquina da Avenida Afonso Pena com a Rua 14 de Julho. O forte fluxo de pedestres indo e voltando do trabalho e dos estudos é uma característica da região. Muitos deles, que perdem o ônibus nos vários pontos da praça, buscam os mototaxistas para chegarem a tempo a seus compromissos.
A uma quadra dali, no ponto de mototáxi localizado na esquina da Rua Rui Barbosa com a Avenida Afonso Pena, trabalha Obadias Marcos Silva Peres, 52 anos, corumbaense e mototaxista desde 2006. A preocupação de sua família é com os perigos de assalto e do trânsito, aos quais fica exposto, mas com relação a este, afirma adotar uma direção defensiva, já que o benefício previdenciário com auxílio acidente não cobre os custos mensais. “Não sou uma pessoa que procura andar correndo, sabe? Já recusei muitas corridas por essa situação da pessoa chegar, precisar ir em determinado lugar, mas a gente percebe que não dá pra fazer isso nesse tempo. Não é vantajoso, porque se eu me envolver em um acidente, sou autônomo, pegar o benefício que eu vou receber se eu me envolver num acidente não vai ser o valor que eu faço no mês trabalhando”.
No lado sul da Praça Ary Coelho, virado para a Rua 15 de novembro, Sérgio Luiz Carvalho, 60 anos, aguarda sozinho em seu ponto de mototáxi o próximo pedido de entrega de encomenda. Há 27 anos na profissão, leva consigo as marcas e histórias dessa longa jornada. Venceu câncer de pele no rosto, foi vítima de assalto com arma de fogo, mas também já viveu histórias que lhe abrem o sorriso, como a de uma passageira que saiu de um pagode e contou que estava escondida do marido lá, mas foi flagrada por ele no final da corrida. Sérgio também reclama da falta de educação dos motoristas e de fiscalização no trânsito, além da grande quantidade de buracos no asfalto, que aumentam o gasto com a manutenção da moto e representam risco para o exercício da profissão..
Desde o nascimento da profissão de mototaxista na Cidade Morena, as mudanças tecnológicas marcaram sua história. No início, os pedidos de corrida chegavam pelo hoje quase aposentado telefone fixo. Com a chegada dos smartphones, os passageiros passaram a acionar os mototaxistas por aplicativos. O que era apenas um avanço tecnológico na comunicação com o cliente fez surgir um concorrente forte: o Uber Moto. As principais diferenças entre o trabalho de mototaxistas e o da empresa por aplicativo são: a existência de ponto e telefone fixo neles, uma opção de contato com os clientes que ainda utilizam esse tipo de aparelho. Além disso, há a fiscalização deles pela Prefeitura, que concede para cada profissional um número de alvará e um ponto para trabalhar, com prazo de validade. Os mototaxistas trabalham no ponto em esquema de rodízio entre si, registrando em folha simples a ordem de trabalho entre eles. Os cursos preparatórios para a profissão, exigências da Prefeitura, são pagos por conta própria.
Os custos para se atualizar e se manter regularmente na profissão de mototáxi, e a forte concorrência dos profissionais por aplicativo, diminuíram a vantagem financeira atingida no auge dessa história sobre duas rodas. Se no passado, a atividade surgiu como opção das elitizadas corridas de táxi e do lento transporte público, suas atuais características diminuem o interesse de ingresso na profissão. Sérgio Carvalho mostra seu capacete com fita adesiva riscando o antigo número de seu alvará. Optou ao longo dos anos por trabalhar de forma autônoma, como piloto de aplicativo e também entregando encomendas, a pedido do comércio local.