A Liga do Bem não parou durante a pandemia e desenvolveu vários projetos de arrecadação de fundos para instituições.
Texto: Amanda Melgaço | Daphyne Schiffer | Letícia Dantas

Amor, carinho e atenção. Esse é o lema da Liga do Bem, um grupo de voluntários de Campo Grande que, fantasiados de heróis, princesas e outros personagens, se unem para realizar visitas a hospitais e abrigos. O intuito é trazer alegria para aqueles que se encontram em momentos difíceis. Assim, mesmo com os desafios impostos pela pandemia, o time de voluntários fez o possível para continuar levando solidariedade aos que precisam.
A organização não governamental (ONG) fez sua primeira aparição em 12 de outubro de 2013. O fundador, que se apresenta como Superman, conta que reuniu um grupo de amigos no Dia das Crianças, alugaram fantasias de heróis e foram juntos visitar pacientes da ala infantil no hospital Santa Casa. Neste momento surgiu a Liga do Bem.
A partir daí, muitas pessoas mostraram interesse em participar e o número de voluntários foi crescendo. Cada integrante que chegava escolhia uma figura para representar. Hoje, além dos heróis de quadrinhos, o time da Liga já conta com diversos personagens de filmes e TV, para abarcar os mais de 200 voluntários que se revezam nas ações coordenadas pelo grupo.
No entanto, a partir de 2020 a Liga teve que se reinventar em função da Covid-19. Quando as visitas precisaram ser suspensas por motivo de biossegurança, uma das supervisoras voluntárias que se apresenta como Malévola, relata que o grupo se perguntou “e agora? O que a gente faz?”. A partir dessa necessidade, decidiram focar nos planos de arrecadação para instituições, com o objetivo de garantir que elas continuassem ajudando a comunidade. Dessa forma, nasceram projetos conjuntos com organizações beneficentes e fortaleceram-se parcerias que já existiam, como a formada com a Associação dos Amigos das Crianças com Câncer de Mato Grosso do Sul (AACC/MS).
O presidente da ONG se orgulha dos diversos projetos desenvolvidos durante a pandemia, e diz que o grupo tem feito um grande esforço para não parar, por saber que esse é justamente um momento no qual o trabalho da Liga se tornou primordial. “A gente conhece muitas ONGs que nesse momento fecharam as portas, se viram obrigadas a parar de realizar seu trabalho. Nós optamos por achar um caminho, trabalhar em cima dele e continuar”, explica Superman.
Pandemia cria cenário difícil para instituições beneficentes
A pandemia afetou drasticamente o funcionamento de ONGs e instituições beneficentes no Brasil. O desemprego e o isolamento social agravaram a falta de renda de muitas famílias, o que fez os pedidos de ajuda aumentarem em várias organizações de apoio social. Entretanto, em função da própria pandemia, elas não têm recebido donativos suficientes para atender as pessoas que necessitam. Em Campo Grande, muitas sofreram uma queda considerável nas doações.

A AACC/MS, instituição sem fins lucrativos que promove tratamento contra o câncer infanto-juvenil no Mato Grosso do Sul, também sente os efeitos da pandemia. Mirian Comparin Corrêa, a presidente da associação, diz que a forma de atendimento precisou ser modificada e muitos eventos de arrecadação não puderam ser realizados. Além disso, o trabalho presencial de seus voluntários foi interrompido em março de 2020 e retornou apenas em outubro de 2021.
Na busca por minimizar o impacto financeiro, Liga do Bem e AACC/MS passaram a realizar atividades em conjunto, entre as quais a campanha “Dia D – Todo Dia é Dia de Ajudar a AACC/MS”, que ocorreu em setembro de 2021 e na qual foram vendidas milhares de rifas, o que possibilitou arrecadar 227 mil reais para a instituição. “No meio da pandemia, conseguir isso é um grande feito e uma grande satisfação para nós”, afirma o Superman. A presidente da AACC/MS conta que a parceria com a Liga do Bem foi primordial para a sobrevivência financeira da instituição, uma vez que a associação é mantida através de doações, eventos e vendas do bazar e brechó.
Além dessa, outras ações ou parcerias foram realizadas, como a que resultou na campanha com o Hemosul/MS para fomentar a doação de sangue, em julho de 2020. Os bancos de sangue quase sempre passam por períodos de escassez, e com a pandemia esse cenário piorou. Por meio do slogan “ser um herói está no sangue” o grupo trouxe mais visibilidade para a campanha do Junho Vermelho. Os próprios voluntários deram o exemplo, atuando como doadores. Além disso, em abril, o grupo promoveu uma campanha de arrecadação de fraldas geriátricas para a Santa Casa de Campo Grande, quando 2113 pacotes foram angariados. “A Santa Casa é a nossa casa. Nascemos aqui há oito anos e temos um amor enorme por esse lar”, comenta o Superman, explicando que essa foi a primeira arrecadação de fraldas para o hospital.
As boas ações também ultrapassaram divisas e fronteiras. “A gente já fez ações em várias cidades do Mato Grosso do Sul, já chegamos a participar de eventos na Bolívia e também no sertão do Nordeste”, conta o presidente. Ele também diz que antes da pandemia, todos os anos era realizada ao menos uma atividade em uma cidade do interior do estado para fazer um natal diferente, levando presentes para as crianças das comunidades locais carentes. “Às vezes surge um convite de uma instituição que fica no interior do estado e a gente faz de tudo para atendê-la”, diz o fundador.
Superman acredita que o heroísmo vai muito além das performances e da caracterização dos personagens. É preciso se comprometer de fato com a causa, tornando o trabalho parte da sua vida. Ele também diz acreditar que em contrapartida os voluntários recebem muito mais do que doam. “A gente recebe em troca o carinho, a alegria e os exemplos que a gente vê pela luta e determinação das pessoas, e isso faz toda a diferença na nossa caminhada”.
Heroísmo e comprometimento andam juntos
O fundador da ONG afirma que, na visão do grupo, não há nada mais poderoso do que o comprometimento e a responsabilidade ao cuidar do próximo. Para ele, adicionando à mistura um toque de magia e aventura, tem-se a fórmula perfeita para fazer a diferença na vida de muitas pessoas. Foi justamente a partir desse tipo de pensamento que a ideia de criar a Liga do Bem surgiu.

Desde o início, existe um esforço para manter a atmosfera lúdica do projeto. Para eles, esse ponto é muito importante pois o sentido de se vestirem como heróis, princesas, personagens da ficção, se perde se não for transmitido ao paciente a sensação de que tudo aquilo é real. Para garantir a fidelidade ao seu personagem, há um grande processo de preparação.
“Quando eu visto o uniforme, tudo muda: voz, postura. É como se vivêssemos aquele personagem. Temos que saber toda a história, assistir todos os filmes, estudar a fundo mesmo. Temos que conhecer tudo porque se uma criança chega e te pergunta algo, você não pode decepcionar”, explica Dona Florinda. Para ela, os trajes facilitam o primeiro contato, criando um vínculo antes mesmo de chegar ao local, e fazendo parecer que eles já se conhecem.
Como parte da missão da Liga do Bem é aliviar momentos de dor, trazendo distração e alegria, cada voluntário passa por um treinamento para aprender a lidar com as possíveis situações que podem ser vivenciadas. Dona Florinda relembra uma história que a marcou: uma criança que estava no hospital esperando o Capitão América, e poucos minutos depois de sua chegada, veio a falecer na frente do herói. “Hoje eu me emociono contando, mas no dia eu não podia, tive que segurar as lágrimas”, ela comenta.
A Liga do Bem é um projeto reconhecido pela comunidade de Campo Grande e região, mas a conquista deste espaço não foi fácil. Superman afirma que foi preciso muito esforço para ganhar a confiança das instituições, e convencê-los da seriedade do projeto. “No começo, o uso das fantasias, que nós chamamos de uniformes, até atrapalhou um pouco, porque as pessoas não levavam tão a sério. Nas instituições, achavam que a gente era um grupo de cosplay, que a gente só tava colocando a roupa pra aparecer ou pra fazer foto”. Mas ao longo do tempo, a partir dos trabalhos realizados, a ONG foi conquistando credibilidade.
Segundo o fundador, um dos principais fatores que garantiu a consolidação do projeto foi a conquista do primeiro lugar no concurso de inovação comunitária realizado pela Brazil Foundation, em 2016. O prêmio foi disputado entre mais de 500 ONGs nacionais. “Na época, viajamos até Nova York para participar da premiação. Foi uma conquista e tanto, e serviu para mostrar a seriedade do nosso trabalho”, relata o fundador.
Organização é um fator sempre citado para descrever o funcionamento da Liga. Isso pode ser visto, por exemplo, pelo fato de que com o aumento da equipe ao longo dos anos foram criadas coordenações. Hoje elas são dezoito: geral; agendamentos; acompanhamento; controle de presenças; cuidados com o QG (Quartel-general); doação de uniformes; e-mail; Fazenda Esperança; fotografia; manutenção e preparação de uniformes; mensalidades; mídias sociais; newborns; dança; apoio; padrão ouro e plus; Santa Casa e Hospital do Câncer; CETEB. Desde a seleção dos voluntários à realização das missões – maneira que o grupo chama suas ações – há um método para tudo.
Quanto aos uniformes, assunto importante dentro da ONG, existe um grande cuidado no processo de escolha e confecção. A coordenação responsável por este setor é bastante exigente e faz questão de garantir a qualidade através de controle minucioso. “Buscamos sempre chegar, o mais próximo possível, ao personagem que temos como referência. Nem sempre é possível achar o mesmo tecido, a mesma cor, mas com o passar do tempo vamos melhorando. Além do fato de usarmos o uniforme todo o fim de semana, por isso eles precisam ser duráveis e bem cuidados”, diz a Rainha Narissa, coordenadora de uniformes.
Todo o processo é supervisionado, desde os estudos para compor o novo personagem até a confecção das roupas. Cada voluntário é responsável pelos gastos com a confecção das suas próprias roupas, e também por cuidar dos uniformes de maneira adequada. Tudo isso visa garantir que os personagens estejam sempre bem representados e que o objetivo do projeto seja cumprido com um toque de magia.
Toda a entrega e dedicação dos voluntários acaba gerando para eles próprios sentimentos de satisfação. “Toda missão traz um sentimento marcante. Eu sempre volto pra casa em agradecimento. Você percebe que seus problemas são pequenos diante daquelas realidades” diz Malévola.

Como se tornar um herói?
Para quem deseja se tornar voluntário da Liga do Bem, existem algumas etapas a serem seguidas:
1º passo – Entrar em contato com o grupo via redes sociais, para agendar uma entrevista.
2º passo – Caso seja aprovado na entrevista, o candidato a voluntário entra para os chamados newborns, uma fase de treinamento na qual recebe diversas orientações sobre comportamento e medidas de biossegurança.
3º passo – Depois de receber as orientações iniciais, começa a fase de estudo e elaboração do uniforme para o nascimento de mais um personagem.
Esse processo leva em média de 60 dias, e é uma maneira de analisar se a pessoa que está chegando realmente tem o comprometimento que a Liga precisa.
Outra forma igualmente valiosa de participar, é se engajando nas ações promovidas pela Liga. Através das redes sociais (Instagram, Facebook, TikTok e Youtube) é possível saber qual campanha está sendo realizada no momento e ajudar fazendo uma doação ou compartilhando com os amigos.